[1] por Elagabal Aurelius Keiser

A progressão para a anti-arte escudou-se, numa primeira etapa, na eliminação de regras, critérios, até que todos os preconceitos estéticos ou técnicos fossem anulados. Este caminho foi descrito pelos historiadores como sucessão de libertações fecundas a caminho de amanhãs de gloriosa utopia cultural.

Os modernistas queriam acabar com todos os constrangimentos, mas desconheciam, como nos ensina Goethe, que o constrangimento nunca foi obstáculo para o génio, mas trampolim. A arte levita quando se apoia no obstáculo. Ao sentir esta resistência do ar, o tolo volátil imagina que voará melhor no vácuo acima da atmosfera, mas só encontrará aí o mais estéril dos ambientes.

Toda a arte nasce da linguagem, a sua prática impõe certas restrições análogas à gramática, certos códigos cuja disposição obedece às regras específicas da disciplina em questão.

A liberdade inventiva é exercida e estimulada no âmbito destas regras do jogo. Nietzsche considerava que o génio artístico era a expressão da liberdade mais extrema dentro da lei mais restritiva. O domínio dessa lei é o que confere sentido à própria ideia de transgressão, sem ela não há nada a transgredir.

Ora esse nada a transgredir que torna tudo possível caracteriza a morte na mesmidade, sem transcendência, sem abertura para o desconhecido, no fundo sem ideia de liberdade ou interesse algum, que tão bem conhecemos no fatalismo da Arte Contemporânea (AC). Por isso se tornou ubíqua a noção de que já foi tudo feito, mas esse tudo feito é apenas a inversão de toda a lei, e não a transcendência da lei que se domina.

Visto que este mito da liberdade em relação a qualquer regra se tornou o código mais estéril, na invectiva do superego, só resta ao anartista recuperar as leis artísticas mais extemporâneas e estritas, e adoptá-las de novo, de forma a que possa sair deste mar dos sargaços, e discernir alguma abertura para terra incógnita.

O anartista é tão absolutamente livre que encontra o seu paradigma no paradoxo da liberdade de se limitar. A retórica do multimérdia e da hibridação de disciplinas já não o encanta.

[1] Arista, ensaísta

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