Músico Profissional que futuro?

Músico Profissional que futuro?

O papel do músico, independentemente das práticas musicais e performativas que produz na sociedade actual, tem-se cruzado com dois géneros de intenções discursivas: as indispensáveis e as acessórias.

Indispensáveis; as clarificadoras, explicativas, com metodologias que trabalham na aproximação entre a sua actividade e os círculos de interesse, que o poderão trazer mais perto de um estádio de relação unicamente com aquilo que trabalha/faz (música) diminuindo tensão e fosso entre a importância do que faz e o público; acessórias as que sob o artifício da linguagem negligenciam a sua profunda compreensão e favorecem os compartimentos estanque.

A música, nos processos de apropriação, legitimação de discursos em seu redor e transmissão foi requerendo, cada vez mais, um empreendimento reflexivo em relação aos compromissos socio-musicais, etnomusicológicos, técnicos e antropológicos. Empreendimento que, sobretudo a partir dos anos de 1980, deixou claramente de interessar à maioria dos veículos de mediatização. O fosso entre a realidade no campo musical e musicológico – com os seus intervenientes – e a recepção – com seus consumidores, públicos alvo – dada a escassez empreendedora presente nos agentes de difusão, procurados por ‘esse’ público, agigantou-se.

Foram perdendo os músicos profissionais, tem perdido algum público, aumentando o seu desconhecimento, ganharam as retóricas de costumes e cultura de uma ‘estética musical’ que favoreceram o ressurgirmento dos opinares de bancada agarrados ao descortinar único e pouco fundamentado do produto final (o fonograma), saltaram para as salas de espectáculos os ‘fenómenos sónicos urbanos’ e os portugueses foram-se habituando, condizendo com a ilusão informativa musical difundida, a ser os principais produtores da ausência do músico como profissional nas salas de espectáculos, convencidos que estão dos ‘poderes’ e ‘saberes’ dos meios com que julgam andar informados sobre os seus ‘artistas ou entertainers de eleição’.

A desresponsabilização e falta de compromisso com o profissional músico, submetido a um esquema labiríntico quádruplo – disseminação fonográfica, agências/produtores, media, público, nem sempre o beneficiou ou beneficia.

A destituição do músico enquanto profissional deveu-se, em grande parte, a um significativo aumento de conceitos sem ligação ao âmbito
musical, que acomodaram as suas retóricas em noções abstractas implícitas como: o entertainer, o que serve para animar, o que pode ser enaltecido ou destituído das suas funções por alguém que sabe menos que ele em graus de avaliação que se prendem com um ‘gosto’ ou uma ‘cena musical’. O aumento de uma crítica desinformada, desinteressada, paralisada num escrutínio de artefactos sem ligação à génese do som e música produzidos, ao músico, à sua intervenção, aos recursos tecnológicos de produção, aos materiais, circunstâncias e espaços em que opera alastrou aos novos meios de mediação informativa como a internet.

Se por um lado, há quem o faça com critérios que dizem respeito à música e ao seu criador, executante, intérprete, por outro lado há quem o faça sem esse método, ora pela escassa mediação de saberes ora pela irreflexão ou falta de prudência no que respeita ao tratamento que lhes foi sendo atribuído: ao músico e à música que faz.

Mas, é também ao músico que cabe a defesa dos seus interesses, zelando pelo prestígio da ‘classe’, pelo melhoramento das instituições musicais e, em geral, pelo que interessa ao colectivo, rejeitando contratos propostos por pessoas ou instituições não credenciadas, inteirando-se de tudo quanto for necessário no que se trata de serviços prestados dentro ou fora do seu país, na aplicação da sua ‘arte/prática’ em prol da educação, no incentivo e alerta para a recriação e cultura do povo, da integração no mesmo espaço comunitário de partilha publicando teses musicais e apreciações críticas, etc. Porém, provocar ou entreter debate que não seja de interesse da colectividade ou do beneficiamento da sua actividade no campo musical em que actuar, não usar os órgãos de difusão, nos quais não revê a evolução da classe, como promoção, não deverá ter qualquer
receio de desagradar a outrem, ou incorrer em impopularidade no cumprimento e dignificação da sua profissão. Em suma, a importância da sua função não poderá permitir abusos sobre a condição económica de
quem contrata, nem o proveito que dele possam usufruir socialmente em quadrantes que lhe são alheios, tem de ser reconhecido no âmbito das suas funções em valor monetário sempre, em prestações de serviços não pagas em prol de causas sociais ou outras de seu interesse, se o entender.

O estudo e a compreensão de processos, situações e estratégias utilizados para a transmissão de saberes musicais em Portugal urge, se um etnomusicólogo, ao trabalhar com uma determinada tipologia no terreno (género/estilo/cultura) de música, vê-se diante da necessidade de compreender de que forma os saberes musicais relacionados ao campo abordado são valorizados, seleccionados e transmitidos culturalmente,
porque não aproximar o músico de um campo de acção onde ele é abordado como profissional e não um animador de ocasião? Porque não fruir de espectáculos, fonogramas ou, tendo essa vontade e possibilidade, do contacto/experiência com instrumentos musicais em aulas, de forma a que a valorização da actividade do músico, como aqui é sugerida seja alcançada?

O acesso facilitado à fruição, opinião e aproveitamento desta profissão poder-se-á tornar cada vez mais problemático para o músico e tal facto permanece, infelizmente, conectado com esse facilitismo que o etnomusicólogo Bruno Nettl resumiu de modo esclarecedor na sua célebre frase: “o modo pelo qual uma sociedade ensina sua musica é um factor de grande importância para o entendimento daquela música*” (NETTL,1992: 3).

*NETTL, Bruno. Ethnomusicology and the teaching of world music. In: LEES, Heath. Music
education: sharing musics of the world. Seul: ISME, 1992.

Notas:Texto originalmente publicado em Revista CAIS 

Vídeo correspondente a uma Sessão Mural Sonoro no Museu da Música no ano de 2013

Pedro Calasso (músico, construtor. São Paulo)

Pedro Calasso (músico, construtor. São Paulo)

23ª Recolha de Entrevista

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BI: Pedro Calasso nasceu em 1976 na cidade de São Paulo, no Brasil.

É um músico, construtor de instrumentos e autor brasileiro.

Com uma avó portuguesa esteve pela primeira vez em Portugal inserido num projecto que procurou firmar a relação entre as noções culturais de 'identidades' e partilha dessas 'identidades' (um programa de intercâmbio e difusão cultural do Ministério da Cultura do Brasil, que contou com o apoio do Turismo Lisboa e da Casa do Brasil). Na sua passagem por Portugal participou em oficinas teórico-práticas mediadas por organismos parceiros envolvidos neste propósito/aventura.Oficina ’Brasil, um Universo Musical’ aliou a construção de instrumentos oriundos de parte da 'tradição' de algumas das regiões do Brasil à, especialmente, construção rítmica de cada um deles.

Nesta recolha de entrevista fala das diferenças que patenteou entre o seu país de origem e, os 20 dias que esteve em, Portugal (e que se prendem sobretudo a 'um modo de estar' de culturas distintas ainda que possuam uma língua aparentemente semelhante), das motivações para a sua composição, das suas referências diárias e consciência pessoal que influenciam o modo como produz no âmbito musical, do grupo musical que já conta com 6 anos de existência, Preto Véio, e que o fez (com Dom Billy, Jahir Soares, Abuhl Júnior e Leandro) dar alguns concertos por Portugal (em Lisboa especialmente), do gosto e interesse que tem pela 'cultura afro indígena brasileira' e por alguns dos elementos musicais que a formam, etc.

© 2013 Pedro Calasso à conversa com Soraia Simões, Perspectivas e Reflexões no Campo

Som, Pesquisa, Texto: Soraia Simões

Fotografia: Billy Rodrigues

Marta Miranda (OqueStrada)

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Marta Miranda (OqueStrada)

32ª Recolha de Entrevista

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BI: Marta Miranda ou ‘Marta e Miranda’ como a conhecem no projecto musical que ajudou a formar (OqueStrada) nasceu em Lisboa no ano de 1972, mas cedo se habituou a ser uma migrante no seu país, devido à profissão liberal da sua mãe (professora) pelos vários espaços onde ia sendo destacada para trabalhar.

‘Como digo muitas vezes a Marta trabalha para a Miranda poder cantar’ refere aludindo também, durante a recolha, à forma como no grupo OqueStrada acaba por se fazer de tudo. Da montagem à produção, da distribuição dos pagamentos ao agenciamento, da música, composição e performance à construção de cenários e instrumentos particulares (como o caso da ‘contrabacia’ tocada por Pablo).

No grupo de que faz parte a todos atribuiu um nome fictício (‘Lima o Arquitecto’, e a sua guitarra portuguesa, ‘Pablo, O Construtor’, e a sua contrabacia ‘Miranda, a Adorável’, e a sua voz)

Nesta recolha Marta reflexiona, entre outros aspectos, sobre os primeiros anos de concepção do seu trabalho e do trabalho com oqueStrada, dos locais distintos (ruas, cafés, bares, jardins, lojas numa procura do património acústico dos espaços) onde tocaram das primeiras vezes e da importância do espaço público comum (a rua) e do contacto directo com o público, das migrações com que sempre se rodeou (no seio familiar, com o seu avô, oriundo de Angola, e social, com as comunidades e culturas a que se ligou tanto em Lisboa como no subúrbio onde se sediou), da dramaturgia acústica e das imagens sonoras que resgatou do teatro popular para a música que cria (m), do diálogo/ intercâmbio musical construído por cada músico em OqueStrada e desse com os ‘artistas esquecidos’ que convidam para os espectáculos que dão, da importância de pensar a cidade/o urbanismo através da periferia, do seu radicar em Almada e da ressonância do espaço com a criação artística e musical, da pesquisa relevante/ recolha de material e histórias acerca das colectividades para a concepção musical de OqueStrada (a Associação de Artes de Rua, a Piajio associação, possui um forte olhar e consciência sobre o espaço público e do que ele oferece de encontro e reflexão no âmbito artístico), da concentração da actividade da Piajio no espaço Incrível Club – antigo cinema da colectividade Incrível Almadense (um ‘espaço de artistas para artistas’ como define Marta em conversa. De acolhimento à arte e à promoção artística, onde a música, o ‘novo-circo’ ou o documentário sempre tiveram destaque) – e de a mudança na falta de apoio/financiamentos às diversas manifestações culturais e artísticas da actualidade poder ser, aos poucos, ultrapassada com uma filosofia próxima dos espaços geográficos pequenos onde se opera – de um modo autónomo, individual, atento e empreendedor.

© 2013 Marta e Miranda à conversa com Soraia Simões, Perspectivas e Reflexões no Campo

recolha efectuada em Alfama

Som, Pesquisa, Texto: Soraia Simões

Fotografia do áudio: Paulo Machado, A Muralha Alfama

Fotografia de capa: Augusto Fernandes no âmbito do Ciclo de Debates e Colóquios  Mural Sonoro no Museu da Música em 2013 com o tema: «Viver a Música a Partir da Periferia (?)» que contou com Marta Miranda, o rapper e sociólogo Chullage (Nuno Santos) e António Avelar Pinho (Banda do Casaco, Filarmónica Fraude)

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Mário João Santos (TocáRufar, músico, baterista/percussionista)

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Mário João Santos (TocáRufar, músico, baterista/percussionista)

66ª Recolha de Entrevista

 

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BI: Mário João Santos nasceu em Lisboa no ano de 1970. É um músico e formador português (especialmente baterista-percussionista).

Neste registo de conversa fala do seu percurso, do despertar para as percussões, mas também das suas formações musicais, no Hot Clube de Portugal, Academia dos Amadores de Música de Lisboa e Drummers Collective em Nova Iorque, da importância que atribui aos tambores e de algumas das tarefas, que com este fascínio, tem executado, etc.
Leccionou bateria na Escola de Música de Cascais. Como baterista e percussionista (com instrumentos de percussão vários) colaborou com diversos músicos e compositores portugueses, Quadrilha, Carlos Barretto, José Mário Branco, Fausto Bordalo Dias, Três Cantos, Rui Júnior e o Ó que som tem?, Boémia, Navegante entre outros, é co-fundador do projecto TOCÁ RUFAR, sobre o qual expressa nesta recolha as horas de dedicação que tem conferido ao projecto e a sua relevância no universo musical popular em Portugal e não só, e membro da direcção. 
Como músico, no seu legado fonográfico (discos em que foi convidado/parte integrante), até à data em que a recolha é feita constam: com Fausto Bordalo Dias - Atrás dos tempos vêm tempos (1996), Grande grande é a viagem (ao vivo) (1999), 18 canções de amor e mais uma de ressentido protesto (2007), Em Busca das Montanhas Azuis (2011), Três Cantos ao vivo (2009) -com José Mário Branco, Sérgio Godinho e Fausto Bordalo Dias, com Rui Júnior e O ò que som tem?:O mundo não quer acabar (1998), com Carlos Barretto Suite da Terra (1998), com Navegante: Cantigas Partindo-se (1987), com Quadrilha Contos de Fragas e Pragas, 1992, Até o Diabo de Ria, Entre Luas, 1997, Madrigal, Ovação 1999, com Mário Mata: Sinais do tempo SPA 2012.

© 2013 Mário João Santos à conversa com Soraia Simões, Perspectivas e Reflexões no Campo


Recolha efectuada em casa de Mário joão Santos, em Lisboa

Som, Pesquisa, Texto: Soraia Simões

Fotografia: Augusto Fernandes

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Artur Batalha (fadista)

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Artur Batalha (fadista)

58ª Recolha de Entrevista

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BI: Artur Henrique dos Santos Batalha, ou simplesmente Artur Batalha como é conhecido no meio musical fadista, nasceu em Alfama a 14 de Abril de 1951.

Iniciou o seu percurso com 14 anos na Taverna do Embuçado, embora desde os 9 anos cantasse.

Nesta recolha de entrevista Artur fala um pouco das suas histórias com autores - letristas, poetas, compositores e fadistas - referenciais que conheceu (de Amália Rodrigues a Fernando Farinha), do seu bairro - Alfama - e do Museu do Fado, de algum do seu repertório mais peculiar, da ''dramatização'' que é feita em torno desta forma musical e com a qual não concorda, etc.

Artur Batalha trabalhou com uma série de músicos, ganhou a Noite de Fado em 1971 no Coliseu dos Recreios e foi contratado para cantar em vários países do Mundo. É uma figura refrencial do fado mais ''castiço'' e popular na cidade de Lisboa, a par de outros nomes, como Fernanda Maria, Beatriz da Conceição ou, entre outros, Argentina Santos ou os já falecidos Alfredo Marceneiro e Fernando Maurício.

© 2013 Artur Batalha à conversa com Soraia Simões, Perspectivas e Reflexões no Campo

Captação musical de Artur Batalha numa letra (a si oferecida) de Fernando Farinha, acompanhado por Paulo Machado (aluno de guitarra portuguesa)

Recolha efectuada em Alfama (Restaurante A Muralha)

Som, Pesquisa, Texto: Soraia Simões

Fotografia: Augusto Fernandes

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Guitarras de Coimbra e Lisboa, breves notas

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Guitarras de Coimbra e Lisboa, breves notas

Página de Facebook conferida à obra de Raul Simões (Guitarra de Coimbra construída por Raul Simões.

Página de Facebook conferida à obra de Raul Simões (Guitarra de Coimbra construída por Raul Simões.

imagem (Guitarra de Coimbra construída por Fernando Meireles)

imagem (Guitarra de Coimbra sem o fundo construída por Óscar Cardoso)

imagem (Guitarra de Coimbra sem o fundo construída por Óscar Cardoso)

O instrumento que hoje chamamos guitarra portuguesa assumiu, até ao século XIX, por toda a Europa nomes como: cistre (França), cetra e cetera (Itália e Córsega), Cítara (Portugal e Espanha), Cittern (Ilhas Britânicas), cister e cithern (Alemanha e Países Baixos).

A afinação nominal, ainda hoje usada na guitarra, mantém características das cítaras do Renascimento (as mesmas relações intervalares).

A guitarra apresenta-se hoje em dois modelos diferentes. A de Lisboa (mais aguda) e a de Coimbra (mais grave). A diferença tímbrica de ambas é notória e tal facto deve-se não só às diferenças da sua construção como da sua execução, além da diferença, já mencionada, de tessitura (mais aguda/mais grave).

A afinação nominal é então, do agudo para o grave, a seguinte: si (3), lá (3), mi (3), si (2), lá (2) , ré (2) no caso da Guitarra de Lisboa e lá (3), sol (3), ré (3), lá (2), sol (2), dó (2) no caso da Guitarra de Coimbra.

Curiosidade: Entre as mais variadas perspectivas, e teses, acerca de Guitarreiros em Coimbra difundidas nos meios de comunicação, mas também académicos, não consta a obra de Raul Simões, um dos primeiros guitarreiros de Coimbra e construtor de Artur Paredes.

Raul Simões tinha por profissão marceneiro, dedicando-se à construção e reparação de instrumentos de cordas na oficina da sua residência, cita na Rua Dr. Felipe Simões, nº 9, Bairro de Santana. Para António Nunes, Raul Simões tem sido referenciado como o último grande violeiro de Coimbra, “elogio que também enuncia um lamento sobre práticas artesanais em vias de desaparecimento no tecido urbano de Coimbra pela década de 1970”. Armando Simões, na sua obra A Guitarra. Bosquejo histórico descreve com pormenor a morfologia da antiga guitarra de Coimbra (toeira), não evidenciando “o papel desempenhado por Raul Simões nem individualizando o novo modelo de guitarra, que se implantou decisivamente na Academia de Coimbra na década de 1950” (Manuel Nunes). Nesta obra, publicada em 1974, o autor refere: “Raul Simões – actualidade – é o único guitarreiro existente em Coimbra. Não começou pela arte, mas fez-se um bom guitarreiro como construtor e restaurador de instrumentos de corda, inclusivamente, instrumentos de arco” (Simões, 1974:130). Na obra “No rasto de Edmundo de Bettencourt. Uma voz para a modernidade”, publicada em 1999, António Nunes refere o papel de Raul Simões na reforma da Guitarra Toeira na década de 1920, precisando que “quando Joaquim Grácio toma contacto com esta realidade, as linhas de força reformadoras do instrumento já estavam basilarmente enunciadas por Artur Paredes e Raul Simões”. Após o estudo sobre a vida, obra e legado de Bettencourt, António Nunes e José dos Santos Paulo deram continuidade a recolhas sobre outros importantes artistas da cidade de Coimbra. Na obra Flávio Rodrigues da Silva. Fragmentos para uma guitarra reproduziram uma imagem da guitarra associada à oficina de Raul Simões e uma ficha técnica com detalhes de construção. As guitarras de Raul Simões estão ainda associadas a executantes como Flávio Rodrigues da Silva, Peres de Vasconcelos, Afonso de Sousa, António Carvalhal e Artur Paredes, entre outros. A guitarra toeira de Coimbra da década de 1920, com a qual Artur Paredes fez gravações para a voz de Edmundo Bettencourt (1927), actualmente exposta no Museu Académico, representa um instrumento fundante e revolucionário, mediante o qual Artur Paredes instaurou pioneiramente o ADN da Guitarra de Coimbra, e foi com ela que Afonso de Sousa gravou as suas próprias peças instrumentais em 1929. Em 1953 Petrónio Ricciulli comprou uma guitarra de Coimbra de 22 trastos a Raul Simões, instrumento que inicialmente fora uma encomenda feita por Artur Paredes, episódio que poderá justificar a ruptura entre Raul Simões e Artur Paredes.
Nos finais da década de 1950, Raul Simões gravou para a Alvorada duas faixas com a cantadeira conimbricense Estrela Abrantes (EP Alvorada, 60.133, 1959); Lado 1 Grupo de Silvares, com os temas: “Que Diacho” e “Farrapeira”. Lado 2 Raul Simões (viola toeira) e Estrela Abrantes (voz), temas: “Estalado” e “Vira de Coimbra”. Como singular executante da arte do toque popular da Viola Toeira, Raul Simões recebeu na sua oficina Ernesto Veiga de Oliveira em 1965, que fixou breves apontamentos de afinação da viola e de exemplificação do toque. Raul Simões interpreta trechos do “Estalado” e do “Vira”, utilizando notável toque misto à base de ponteio, rasgado e percussão. Os originais das gravações estão arquivados no Museu Nacional de Etnologia, em Lisboa, no arquivo sonoro que serviu de base ao livro Instrumentos Musicais Populares Portugueses. Em 2001, o Prof. Domingos Morais orientou a digitalização destas recolhas, acessíveis online: http://alfarrabio.di.uminho.pt/arqevo/arqetnoevo.html. Num artigo do Jornal de Coimbra, “Raul Simões, o último tocador de viola toeira”, Manuel Dias, salienta: “Raul Simões faleceu levando consigo um património imaterial de Coimbra Popular, da Coimbra dos Futricas, ficando-nos a grata recordação do seu talento”. Raul Simões faleceu a 4 de Novembro de 1981 na freguesia dos Anjos, em Lisboa.

Notas:

A GUITARRA DE COIMBRA (2019, RTP2), um filme de Soraia Simões

Um olhar sobre a Guitarra de Coimbra realizado por Soraia Simões [RTP]

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Sanfona

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Sanfona

(sanfona de Fernando Meireles, fotografada em Coimbra durante recolha de entrevista com o construtor e músico)

(sanfona de Fernando Meireles, fotografada em Coimbra durante recolha de entrevista com o construtor e músico)

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A sanfona pertence à família dos cordofones. Parecida, do ponto de vista sonoro, com um violino com bordões produz um som usado ritmicamente por meio de uma corda apoiada numa ponte móvel (a mosca), e pela fricção das cordas através de uma roda com resina, por via de uma manivela, e a sua melodia é criada através de um teclado.

O som produzido por este instrumento assemelha-se a um cruzamento entre um violino, por ser de corda friccionada e possibilitar melodia, e uma gaita-de-fole, por ter bordões, por intermédio de outras cordas que apenas reproduzem uma nota pedal (ou seja uma nota continuada).

Alguns textos de mestres organeiros afirmam que a sanfona surgiu no século XI, d.C., no norte da Península Ibérica. Embora alguns investigadores na área de especialização em História Medieval reapontem o seu ‘surgimento geográfico’ para o Norte de África.

A sua forma mais arcaica conhecida é o organistro (também conhecido pela designação em latim, organistrum), um instrumento de grande dimensão em corpo de guitarra, que continha apenas uma corda de melodia e que cobria uma oitava diatónica, e dois bordões sem a ponta móvel ainda.

Este instrumento, devido ao seu tamanho, exigia ser tocado por duas pessoas por duas fases em simultâneo: em que uma friccionava as cordas e a outra tocava a melodia pretendida. Este acto consistia em puxar para cima barras de madeira ao longo da escala que, com pinos a meio, encurtavam a corda de modo a obterem diferentes notas. As melodias tocadas eram lentas devido ao esforço associado à tentativa da sua execução.

Com a introdução do órgão, caiu em desuso nos locais de culto, no século XII. A sanfona passa então a ser usada pela nobreza, trovadores, jograis e pelo povo. Com o passar do tempo, mendigos, cegos e vagabundos usam-na para tocar nas ruas e em feiras. No final do século XIX o instrumento entra em decadência, tendo quase desaparecido totalmente. Em Portugal perdurou até princípios do séc. XX, extinguindo-se.

(Fernando Meireles à conversa com Soraia Simões no âmbito deste projecto, categoria: História Oral, fotos de António Freire) Fernando Meireles em execução de 'Bailinho da Madeira' com Sanfona

(Fernando Meireles à conversa com Soraia Simões no âmbito deste projecto, categoria: História Oral, fotos de António Freire)
Fernando Meireles em execução de 'Bailinho da Madeira' com Sanfona

Em 1966, Ernesto Veiga de Oliveira escrevia: «Entre nós, da sanfona queda rara lembrança, e já apenas como instrumento de feira, cada vez mais raro, ao serviço de mendigos e cegos que, sem a saberem tocar, a envelheceram e desacreditaram; e é neste aspecto final que a memória dela se fixou (…)». Fernando Meireles (músico do grupo Realejo, construtor de instrumentos e artesão) pesquisou sobre este instrumento durante muito tempo e dedicou-lhe horas de trabalho, fê-lo renascer e valorizou-o de novo.

O instrumento que no século XIX desaparecera do universo musical português passou a fazer parte do quotidiano de Fernando Meireles Pinto, com um labor de critérios impares, recuperou, reconstruindo-o a partir de diversas fontes, nomeadamente das figuras de presépio dos séc. XVII e XVIII, da autoria do escultor Machado de Castro. Na 62ª recolha de entrevista realizada no âmbito deste trabalho, o músico-construtor, que ao fim de cerca de duas décadas permanece num dos corredores da Associação Académica de Coimbra com a sua oficina-Atelier, relembrou não só o seu percurso como o tempo da sua aproximação à sanfona e as emoções experimentadas ao longo de todo o seu percurso de descoberta e reconstrução do instrumento.

Com anos de trabalho consagrado à feitura de instrumentos, e encomendas várias de músicos como Pedro Caldeira Cabral ou Julio Pereira, as sanfonas, concertina, viola braguesa, bandolim e cavaquinhos tocados no grupo do qual faz parte – Realejo – sairam todos da sua oficina. Fernando Meireles tem o seu trabalho reconhecido em vários pontos do mundo, como a Casa Real Espanhola onde se encontra uma guitarra por si construída, o seu trabalho de recuperação da sanfona foi inequivocamente elogiado por colectores, destaco aqui o médico-psiquiatra de Coimbra Louzã Henriques, que tem dedicado mais de três décadas da sua vida ao coleccionismo e pesquisa de instrumentos tradicionais.

 

Vídeo em baixo: Recolha, adaptacão e arranjos de Janita Salomé
Vozes de Vitorino e Janita Salomé
Sanfona por Carlos Guerreiro

adenda: Carlos Guerreiro (entrevista, September 20, 2013, História Oral), construtor e músico (um dos mentores do colectivo Gaiteiros de Lisboa) construiria, igualmente, uma sanfona procurando (re) introduzir este instrumento, à semelhança de Fernando Meireles, noutros campos das música e cultura populares.

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Fernando Meireles (Músico e Construtor)

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Fernando Meireles (Músico e Construtor)

62ª Recolha de Entrevista

 

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BI: Fernando Meireles é um músico-construtor, artesão, que ao fim de cerca de duas décadas e meia permanece no fundo de um dos corredores de ar abandonado da Associação Académica de Coimbra com a sua oficina-atelier.

O seu trabalho longo tem sido consagrado à feitura de instrumentos musicais: com encomendas várias de cordofones por si feitos a músicos como Pedro Caldeira Cabral ou Júlio Pereira, mas também a sanfona, a concertina*, a viola braguesa, o bandolim e cavaquinhos tocados no grupo do qual faz parte (Realejo) saíram todos da sua oficina.

Fernando Meireles tem o seu trabalho reconhecido em distintas latitudes, como a Casa Real Espanhola onde se encontra uma guitarra sua, por outro lado o seu trabalho de recuperação da sanfona foi inequivocamente elogiado por entusiastas, cultores e coleccionadores como Louzã Henriques.

Nesta recolha de entrevista expressa a ''dignidade'' que esteve na base da sua aplicação e investimento pessoais, em horas de pesquisa e trabalho dedicados aos instrumentos tradicionais portugueses, da paixão que mantém ao fim deste tempo pela actividade, nas emoções experimentadas na construção de um instrumento medieval que já estava em extinção - a sanfona (ler no separador Organologia), na importância inicial do seu contacto com a academia conimbricense, onde se apresentava regularmente com o cavaquinho, para os instrumentos que por encomenda (ainda na República onde residiu em Coimbra) passou a construir (cavaquinhos, bandolins, que considerava na altura serem instrumentos sem grandes cuidados, muito toscos, pesados, muito desafinados, apresentando alguns problemas para se tocarem), da evolução do interesse pela construção e dedicação que passou a dar à guitarrade Coimbra, das horas passadas em bibliotecas ''de bibliografia em bibliografia'' e das cartas e livros pedidos do estrangeiro.

Meireles reflecte ainda algumas ideias sobre as políticas culturais e o modus operandi , entre o seu país e o estrangeiro, sobre um certo isolamento a que o seu percurso levou nos últimos anos, sobre a curiosidade e o alerta de consciências que a forma como conduz a sua actividade tem despertado no meio musical de construção e uso destes instrumentos..

Muita da matéria-prima que encomenda vem de outros pontos geográficos como França ou Alemanha e reflecte sobre o papel facilitador da internet : os contactos com fornecedores de boas madeiras ou outros materiais.

Os seus instrumentos são, como referido, amplamente considerados. Uma guitarra braguesa feita por Fernando Meireles é também uma obra de interesse artístico, além de sonoro-musical, a boca desenhada em flores é exclusiva e difícil, apesar das tentativas, de igualar.

Meireles tem na guitarra de Coimbra de Raul Simões, um dos primeiros construtores a quem Artur Paredes recorreu, que se encontra no Museu Académico, uma referência para a construção deste instrumento musical.

 

© 2013 Fernando Meireles à conversa com Soraia Simões de Andrade, Perspectivas e Reflexões no Campo.

Som, Pesquisa, Texto: Soraia Simões de Andrade.

Fotografia de capa: ciclo de debates Conservas em volta da Guitarra Portuguesa, 3ª sessão: «Guitarras de Coimbra e de Lisboa, sua construção, técnicas e difusão». Coordenação: Soraia Simões de Andrade. Convidados: Fernando Meireles (Coimbra), Óscar Cardoso (Lisboa).

Recolha efectuada na Oficina-Atelier de Fernando Meireles
Paisagem Sonora incluída

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Amadeu Magalhães (músico, tocador, professor)

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Amadeu Magalhães (músico, tocador, professor)

63ª Recolha de Entrevista

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BI: Amadeu Magalhães é um músico e formador nascido no ano de 1969 em Vila Real e que vive actualmente na Figueira da Foz.

Iniciou o seu percurso como músico profissional no ano de 1990 com o grupo Realejo, grupo em que é responsável/director musical até hoje, mais tarde integrou o grupo de ''música medieval e renascentista'', Ars Musicae, onde tocou alguns instrumentos de sopro, em 1999 integou o grupo Quadrilha. A par destes grupos, trabalhou ainda com Fausto, Dulce Pontes, José Cid, Roberto Leal, Né Ladeiras, Brigada Victor Jara, Anabela, Chico César, Clau, Ginga, Paulo Bragança, Paulo de Carvalho, Terra D'água, Uxia, Zeca Medeiros, Helena Lavouras, Luis Represas, etc.

Lecciona instrumentos tradicionais no GEFAC (Grupo de Etnografia e Folclore da Academia de Coimbra fundado no ano de 1966 e que tem desenvolvido na cidade um trabalho de recolha frequente, bem como tratamento e divulgação das manifestações tradicionais) e na Secção de Fado da AAC (Associação Académica de Coimbra) desde 1994 (Cavaquinho, Bandolim, Guitarra, Concertina, Flauta e Gaita de Foles). É também responsável musical do grupo de cordas da secção de fado da AAC.

Nesta recolha de entrevista explica algumas das razões do seu percurso musical, algumas das colaborações e os significados que lhes atribui, algumas das histórias ligadas à componente da compreensão organológica, feitura e afinação de alguns instrumentos tradicionais como o cavaquinho ou a gaita de fole, mas é também assertivo relativamente à importância que atribui a alguns processos pelos quais passou no seu percurso: como a Banda Filarmónica de Couto de Dornelas, em Boticas etc.

© 2013 Amadeu Magalhães à conversa com Soraia Simões, Perspectivas e Reflexões no Campo
Recolha efectuada em Anthrop - Autores Portugueses em Coimbra

Som, Pesquisa, Texto: Soraia Simões

Fotografia: António Freire

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Música e Sociedade

Música e Sociedade

O espaço social que as músicas populares ocupam na sociedade portuguesa não é bem definido. Se nos disponibilizarmos a uma abordagem aprofundada reparamos que é ambivalente e contraditório o processo assumido ao longo dos tempos pelas práticas musicais.

Por via de trabalhos individuais e colectivos foi-se ressalvando a importância de uma Música Popular através de canções significativas, de acervos com enfoque nas tradições orais, no inter-relacionamento entre as abordagens científicas e as humanísticas, mas também na hierarquização das práticas musicais como um objecto social e ideologicamente construído, na enfatização e relevância do passado histórico e colonial e do presente ligado a uma ”perspectiva urbana” em si mesma e ”uma perspectiva urbana sobre a ruralidade”.

O papel da Música Popular nos diferentes aspectos da vida em sociedade, a sua ubiquidade, com as suas significâncias – políticas, económicas, ideológicas, éticas – contribuiu para a ideia de uma maior democratização das manifestações culturais e a expressividade das várias músicas populares na inscrição na vida social como um expoente máximo dessa ‘democratização’.

 

(José Mário Branco - fotos de Helena Silva)

 

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(José Mário Branco, Soraia Simões de Andrade, Sebastião Antunes - foto de Helena Silva)


(fotos de Augusto Fernandes)

Manuel Rocha (Conservatório de Coimbra)

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Manuel Rocha (Conservatório de Coimbra)

59ª Recolha de Entrevista

 

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BI: Manuel Rocha nasceu na cidade de Coimbra no ano de 1962, onde acabou por frequentar aulas de violino, instrumento cuja aprendizagem aprofundaria posteriormente - em 1982 - quando se fixa por seis anos em Moscovo para a sua formação em Professor de Violino e Músico de Orquestra.

É integrante, e uma das forças motrizes, do grupo Brigada Victor Jara e do GEFAC e foi um participante activo no Movimento Alfa em torno das Campanhas de Alfabetização no ano de 1975.

Quando regressou da URSS passou a dar aulas de violino no Conservatório de Música de Coimbra, no qual é hoje Director. Manuel Rocha trabalhou ainda como músico e compositor em bandas sonoras para teatro, cinema e televisão, foi Autor de um Documentário no âmbito etnográfico seriado para a RTP e colaborou em gravações com intérpretes como, entre outros, Adriano Correia de Oliveira, Mísia e Carlos do Carmo ou autores distintos como Fausto ou Manuel Freire.

Nesta recolha de entrevista é crítico em relação ao modo como a música popular tem sido 'tratada' - no meio social, cultural, mas também académico - e elucida algumas das suas experiências e opiniões em torno de questões valorativas de algumas das práticas musicais (com os instrumentos e conhecimentos empíricos ou vivências que os acompanham) no âmbito da ''música tradicional'' mas igualmente excessivamente desenquadradas do seu habitat/meio em que crescem e se desenvolvem, bem como relativamente a uma ideia de um hipotético e irreal ''universo de autenticidade'' em que se baseia algum do estudo académico, mas reflecte, entre outras coisas ao longo da conversa, ainda sobre algumas assumpções inculcadas no meio intelectual que várias vezes impõe no seio ''da ruralidade'' metodologias ou formas de raciocínio e comunicação que não são as suas, nem tão pouco alvo das suas preocupações ou motivos de discussão.

A proximidade entre o universo da música popular e a ''erudição'', os discursos que grosso modo nelas se patenteiam e as separam, as tentativas de aproximação da academia e a legitimação fornecida pelo contacto e vivência, a música funcional (de trabalho, de embalar, religiosa, de festa) e o retirar de algumas das suas funções quando é levada para os palcos, etc.

Manuel Rocha mantém o exercício crítico e atento sobre as questões que nortearam o registo desta conversa e assume, ao longo da mesma, a actividade cívico, sindical e política como uma parte imprescindível no seu percurso musical, quer como músico e autor, quer como formador.

© 2013 Manuel Rocha à conversa com Soraia Simões, Reflexões e Perspectivas no campo

Som, Pesquisa, Edição, Texto: Soraia Simões

Fotografia: António Freire

Recolha efectuada em Conservatório de Música de Coimbra

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Maria João Magno (Tigelafone)

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Maria João Magno (Tigelafone)

54ª Recolha de Entrevista e de som de tigelafone

 

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BI: Maria João Magno de Morais Silva nasceu em Lisboa, mas cedo se mudou para a Guarda, por razões profissionais do pai.

Aprendeu acordeão, piano, ainda em miúda na Guarda com um professor invisual e mais tarde estudou no Conservatório de Música e licenciou-se em Ciências Musicais pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (1991-1995), onde fez também a Pós-licenciatura no Ramo de Formação Educacional, em Ciências Musicais (2001-2003).

Nesta recolha, Maria João Magno explica um pouco do seu percurso como música profissional, dos diversos cursos e acções de formação no âmbito da Música e da Educação, da descoberta das tigelas e do timbre que elas produziam e do ‘tigelafone’ (que acabou por instituir em Portugal, ver em área Recepção Musical de Mural Sonoro texto de Maria João Magno sobre o ‘tigelafone’), etc.

Ao vivo, a autora integrou diversos projectos de música, poesia e pintura em simultâneo. Tem-se apresentado com música de sua autoria em piano-solo, em Portugal (1984-2011). Integrou o espectáculo poético-musical No Feminino, em Português como compositora, intérprete e na direcção musical do mesmo (1997-2001).
Maria João Magno foi compositora e intérprete em Gestos, um espectáculo de sua autoria, que integra voz, piano, instrumentos musicais construídos a partir de materiais reutilizáveis e o Tigelafone (2001-2006). Participou em diversas gravações como música.

Recentemente Maria João integrou a equipa da Divisão de Educação Artística, na Direcção Geral do Ministério da Educação e Ciência – Lisboa. Actualmente lecciona disciplinas da Música, pesquisa na área do Tigelafone e continua a compor e a actuar em recitais/espectáculos musicais.

© 2013 Maria João Magno à conversa com Soraia Simões, Perspectivas e Reflexões no Campo
Recolha efectuada em Anjos (Lisboa)

Edição, Som, Pesquisa, Texto: Soraia Simões

Fotografia de Augusto Fernandes no âmbito do Ciclo de Debates e Colóquios Mural Sonoro no Museu da Música sob o tema «Música Popular, Ensino e Experimentação» com Maria João Magno e Victor Palma

 

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Alguns instrumentos em contexto de grupos migratórios e sua classificação, construtores e executantes

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Alguns instrumentos em contexto de grupos migratórios e sua classificação, construtores e executantes

A forma com que determinado instrumento é construído tem em atenção algumas limitações anatómicas e fisiológicas do indivíduo.

Os materiais usados para conceber alguns instrumentos têm em conta razões de ordem acústica e prática, como por exemplo a forma e tamanho da mão do executante.

Os instrumentos classificam-se em algumas categorias e sub-categorias.

No meu trabalho de recolha para o Arquivo Mural Sonoro tenho efectuado um levantamento e registado alguns construtores de instrumentos tradicionais com ligações às migrações e diásporas a operar em Portugal.

Nessas recolhas musicais e de entrevistas vão estando instrumentos pertencentes a estas categorias:

idiofones – instrumento em que o som gerado resulta do corpo do instrumento sem estar submetido a uma tensão. Exemplos: o Balafon do Kimi Djabaté, o "tigelafone" da Maria João Magno, os "dununs" construídos e tocados pelo Kula, os tambores construídos através de materiais reciclados diversos do Filipe Henda, nomeadamente para a Orquestra 7, em Almada, ou a timbila de que fala num dos depoimentos transcritos efectuados para o Mural Sonoro a Historiadora moçambicana Julieta Massimbe.

membranofones – em que o som é gerado através de uma membrana esticada (como o caso dos adufes ou pandeiretas tocados, entre outros músicos, por Né Ladeiras)

cordofones – instrumento em que o som se produz através de uma corda tensa (como o caso do cavaquinho de Cabo Verde, de que fala o construtor mindelense Luís Baptista, ou o português com afinações várias de que falam João Pratas ou, em depoimento transcrito motivado pela baixa qualidade da gravação, Júlio Pereira e outros instrumentos de cordas com ligações a outras partes do mundo, mas que existem, se tocam e constroem em Portugal como a korá explicada por Braima Galissá ou Kula para o Arquivo, sem esquecer as guitarras de Lisboa e de Coimbra ou outros instrumentos de cordas)

aerofones – em que o som do instrumento é gerado pela vibração de uma massa de ar criada no instrumento (como alguns dos instrumentos de sopro construídos pelo Oleiro João Sousa ou as várias flautas construídas e tocadas por Nuno Pereira, Rão Kyao ou Carlos Guerreiro de que também se falam nas entrevistas). Os aerofones, com a chegada e repercussão dos instrumentos electrónicos deram origem a uma nova classificação ou categoria: os electrofones – instrumentos em que o som é gerado a partir da intensidade de um campo electromagnético.

(João Sousa – Oleiro construtor de instrumentos em barro em 56ª recolha de entrevista)

(João Sousa – Oleiro construtor de instrumentos em barro em 56ª recolha de entrevista)

(João Sousa – Oleiro construtor de instrumentos em barro em 56ª recolha de entrevista)

(João Sousa – Oleiro construtor de instrumentos em barro em 56ª recolha de entrevista)

(Kula – Músico e Construtor em 47ª recolha de entrevista)

(Kula – Músico e Construtor em 47ª recolha de entrevista)

(Kula – Músico e Construtor em 47ª recolha de entrevista)

(Kula – Músico e Construtor em 47ª recolha de entrevista)

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(Filipe Henda – percussionista, formador e construtor em 22ª recolha de entrevista)

(Filipe Henda – percussionista, formador e construtor em 22ª recolha de entrevista)

(à conversa com Kimi Djabaté – executante e construtor de balafons – em 14ª recolha de entrevista)

(à conversa com Kimi Djabaté – executante e construtor de balafons – em 14ª recolha de entrevista)

(à conversa com Maria João Magno em 54ª recolha de entrevista. Fotografia de Sessão Mural Sonoro no Museu da Música em 2013, sob o tema: Música Popular, Ensino e Experimentação)

(à conversa com Maria João Magno em 54ª recolha de entrevista. Fotografia de Sessão Mural Sonoro no Museu da Música em 2013, sob o tema: Música Popular, Ensino e Experimentação)

(à conversa com Nuno Pereira em 43ª recolha)

(à conversa com Nuno Pereira em 43ª recolha)

Das categorias de instrumentos aqui descritas a dos idiofones é a que apresenta um número mais significativo de instrumentos conhecidos da grande maioria das pessoas e classificam-se de acordo com a forma como ‘vibram’ ou como são ‘gerados em vibração’ e podem ser:

idiofones de percussão: sinos, tubos, placas, bambu, metal, vidro e têm nomes como xilofones, metalofones. Exemplo: o hanpan tocado por Kabeção Rodrigues.

idiofones percutidos: em que a sonoridade é transmitida quando a mão, baqueta ou outro objecto análogo toca/bate na superfície do instrumento: Exemplo: os dununs e djembés tocados por Kula ou o sabar tocado por Nataniel Melo.

idiofones percussivos: quando o som é proveniente do objecto com que se bate.

idiofones de concussão: quando o som da vibração resulta do choque entre dois objectos semelhantes. Exemplo: o peitoque tocado por Sebastião Antunes numa das recolhas ou as castanholas usadas por Né Ladeiras.

idiofones de agitação: quando o recipiente contém sementes ou grânulos que na agitação produzem som. Exemplo: caxixi usado por Ruca Rebordão ou Quiné Teles e Nataniel Melo, maracas ou sistro).

idiofones de raspagem quando funcionam através de um corpo que vibra sobre uma superfície irregular que é ‘raspada’. Exemplo: reco-reco

idiofones beliscados: quando o som se produz através da flexão de uma lâmina. Exemplo: o berimbau também tocado por Ruca Rebordão e falado em entrevista.

idiofones friccionados: quando o som é gerado por fricção do corpo em vibração. Exemplo: violino de pregos.

A categoria dos membranofones é dividida em: tambores, tambores de fricção (como o caso da sarronca) e mirlitão (como as flautas de enuco ou Kazoos).

Já os cordofones são por norma assim classificados mas sub-classificam-se de acordo com o posicionamento das cordas relativamente ao corpo do instrumento, podem ser: liras – quando as cordas estão esticadas entre a caixa de ressonância e a armação, cordofones tipo alaúde – quando as cordas paralelas são esticadas ao longo do braço e se prendem no lado extremo oposto do braço, como o caso das guitarras, cordofones friccionados com arco – como é o caso das violas de gamba ou outras da família do violino, cordofones tipo cítara – quando as cordas se encontram esticadas ao longo do comprimento do instrumento e paralelamente a este como o caso da trombeta marina, cordofones de teclado da família das cítaras como o clavicórdio, cravo ou piano.

Os aerofones assumem seis grupos distintos: aerofones de palheta (acordeão, órgão de boca ou harmónica de boca, saxofone, clarinete, oboé, fagote), aerofones de bocal (trompete, trompa, trombone, etc), aerofones de aresta (são da família das flautas como flauta transversal, flauta de pã ou de apito – bísel), órgão (sendo um instrumento mais complexo e híbrido é quase um instrumento à parte, tanto por conter tubos com embocadura de bisel como por ser munido de um ou mais teclados), aerofones livres nos quais o som se produz através do ar em contacto com um corpo de um instrumento, em que o que faz o corpo vibrar é o ar e não o corpo em si mesmo (exemplo: pião musical).


Quanto à voz, por se tratar de um instrumento humano que não é construído é um caso, embora se insira nesta classificação, complexo já que desempenha igualmente funções extra-musicais, como a comunicação oral.


As características tecnológicas, sociais, europeias e extra-europeias, etnográficas e organeiras dos instrumentos situam-nos pelo valor em si mesmo e não no espaço. A retórica que realça o imaginário de ”pertença geográfica” de um instrumento faz cada vez menos sentido até pelas alterações e desterritorializações de que eles têm sido alvo ao longo dos séculos.

Fontes usadas na pesquisa: HENRIQUE Luís, Fundação Calouste Gulbenkian, Instrumentos Musicais, recolhas de entrevistas a vários construtores, estudiosos e executantes de instrumentos musicais em contexto migratório para Mural Snoro.

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Música em Sociedade

Música em Sociedade

(Sebastião Antunes em recolha para Arquivo Mural Sonoro, músico e compositor com ‘peitoque’ – instrumento percussivo usado comumente na Galiza)

(Kabeção Rodrigues em recolha de entrevista para Arquivo Mural Sonoro, instrumento: ‘handpan’, embora também haja quem designe de ‘hang drum’), Foto: Hugo Valverde)

 

Houve uma separação clara durante tempos entre a história da ‘música europeia’ da história em geral.

Na historiografia musical, um dos seus percussores no século XIX (Raphael Kiesewetter) explicava que grande parte da música e outras formas de arte feitas na Europa criavam os seus períodos históricos e que estes nada tinham de ver com os períodos da história da Humanidade.

No início do século XX outro pensador alemão neste âmbito (Eduard Hanslick) debruçava-se sobre a música definindo-a primeiramente como a ”arte dos sons”, que lhe atribuía uma nova dimensão (à música emergente na cultura europeia desde o ano de 1800). Para ele a ideia de uma ”música absoluta” passava no seu conteúdo por uma noção basilar de ”formas sonoras em movimento”.

Houve até quem no início do século XX encarasse a “desumanização da arte dos sons” como uma conquista da musicologia (Schafke aludindo a Halm ou, entre outros, Kurth).

Esta ideia de que a música é dissociável da componente social e humana, esta reificação da música, em que os factos sociais são de um domínio extra-musical (como reflecte já nos anos de 1950 Mesmann) levantaria questões várias a etnólogos ou antropólogos da música (etnomusicólogos) diversos para quem a música não se separa da sociedade nem da humanidade. ”A música é um facto social” diz Blacking. Os indivíduos, com as suas experiências, dão sentido às práticas que exercem. As músicas vivem-se em processos e não apenas produtos (que são desses processos, desencadeando outros processos).

Na realidade, eu acho que ainda hoje esta oposição faz questão em se mostrar e sentir.

O afastamento do etnomusicólogo ou antropólogo no que concerne às manifestações culturais ou às tradições da oralidade das músicas fora do continente europeu (objecto maior da sua pesquisa) permite-lhe uma observação e raciocínios aparentemente vedados, há muitas décadas, a grande parte dos musicólogos dentro da cultura musical que pretendem estudar.

Parece-me que o afastamento em relação ao objecto estudado (música) do etnógrafo/antropólogo ou etnomusicólogo consegue mais facilmente entrar em ruptura com o pré-juízo e lugar de senso-comum afastando-se, por conseguinte, do perigo que o preconceito enraizado na ‘música europeia’ com o qual a musicologia ainda hoje grosso modo tem muita dificuldade em romper (o do enaltecimento da componente estética musical em oposição com a resistência na integração da componente sociológica ou civilizacional na música. Ou mesmo essa infinita e estancada constatação de que a música é som e não um comportamento regulado por outras variáveis também) e que Bachelard reflecte na seguinte frase: ”O espírito quando se apresenta à ciência nunca é jovem. É sempre muito velho, porque tem a idade dos seus preconceitos”.

O que é o folclore e cultura popular, video tv brasileira

 

Fernando Girão (músico, autor, compositor)

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Fernando Girão (músico, autor, compositor)

52ª Recolha de Entrevista

 

                                                                                                                                Only with permission

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BI: Fernando Girão nasceu em São Paulo no ano de 1951.
É um músico e autor luso-brasileiro com larga experiência no meio musical nacional e internacional.

Nesta recolha de entrevista fala da importância da família no seu instinto e posterior aprendizagem musical (filho da cantora brasileira Maria Girão e do guitarrista português, que acampanhou Amália Rodrigues, Fernando de Freitas), dos grupos musicais, no universo do pop-rock, onde começou a tocar ainda no Rio de Janeiro com cerca de 15 anos de idade, da sua vinda aos 17 para Portugal, onde fez parte do grupo Pentagono ou mais tarde do grupo Heavy Band, da sua ida para Angola, da realidade cultural (e musical em particular) que lá encontrou em plena política colonial, no facto de África e o Brasil lhe terem moldado o 'carácter musical' (composição, improviso, etc), na sua passagem pelos Festival RTP da Canção, com Jorge Palma, no ano de 1975, no fonograma Discretamente, que tanto deu que falar, na importância do fonograma Contos da Europa Tropical, no ano de 1982, nas rádios (em particular no programa Nós por Cá, de grande audiência na Rádio Renascença) especialmente por um dos temas mais divulgados na época - 'Intelectual do Café', etc.

Fernando Girão tem inúmeros fonogramas de autor e participações diversas um pouco por todo o mundo, mas do seu percurso musical, destacam-se sobretudo:

Os fonogramas Africana, editado em 1987 pela CBS espanhola, Índio editado em 1989, Girão Live, gravado ao vivo e editado em 1991, Outros Fados (editado em 1993 sob o selo da Numérica), Dias de Amanhã, editado em 1995 pela Movieplay, Cantos da Alma (CD, 1998), Olhos Nos Olhos (CD, Ovação, 2000), Antologia Híbrida (Livro+CDRom, Marques Augusto Editor, 2003) que contou com 84 peças ilustradas e um Cd Rom (29 peças) com prefácio de Helena Sacadura Cabral, Pedro Abrunhosa e Baptista-Bastos (uma antologia híbrida que reúne poemas e contos escritos pelo autor entre 1993 e 2002) , Fado Negro (CD, Numérica, 2009), Brazil - A tribute (2CD, Numérica, 2009). No ano de 2009 regressaria aos registos discográficos com o álbum Fado Negro. O disco inclui 12 novos temas, sendo 2 deles dedicado aos seus pais: "Fado Maria Girão" e "Fado Fernando de Freitas".

Os momentos em que a sua música serviu para causas sociais ou colaboração com músicos de todo o mundo foram recorrentes, de onde se ressalvam ainda: a autoria da música do disco Racismo Não a favor da AMI e que contou com a participação de vários músicos portugueses, no ano de 1996.
.
O single 'Festa da Diversidade' (1999) que reuniu participações de outros cantores como Sérgio Godinho, General D, Paulino Vieira, Filipe Mukenga, entre outros.

A a participação no disco da campanha do ano 2000 do Pirilampo Mágico.

Os trabalhos musicais que efecuou com músicos internacionais, como: John Beasley, Airto Moreira e Flora Purim, Alphonso Johnson, Alex Acuña, Harvey Mason, John B. Williams, Abe Laboriel, John Patittucci, Joey Heredia, Luís Conte, Ernie Watts, Rick Pantoja, Ricardo Silveira, Luís Avellar, Justo Almario, Walfredo Reyes, Dany Reyes, Ephrain Toro, Lou Pardini e Cássio Vargas, e nacionais como, entre outros, Alexandre Frazão, André Sarbib, António Pinho Vargas, Arménio de Melo, Black Company, Carlos do Carmo, Carlos Manuel, Dalú Roger, Dany Silva, , Eduardo Paim, Filipe Larsen, General D ou Janita Salomé.

© 2013 Fernando Girão à conversa com Soraia Simões, Perspectivas e Reflexões no Campo

Som, Pesquisa, Texto: Soraia Simões

Fotografia de Áudio: Augusto Fernandes

Fotografia de Capa: Augusto Fernandes no âmbito do Ciclo de Debates e Colóquios Mural Sonoro no Museu da Música sob o tema: «Músico Profissional que Futuro?» com Fernando Girão, Carlos Barretto e Fernando Girão em 2013

Recolha efectuada em LARGO Residências

excertos de temas autorais executados na recolha
'Pedal Song, Se eu fosse'
'Pedal Song, Yate Malumbo'

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Viver a Música a Partir da ”Periferia (?)” Debate, coord. Soraia Simões

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Viver a Música a Partir da ”Periferia (?)” Debate, coord. Soraia Simões

Na preparação do debate de 16 de Março de 2013 no Museu Nacional da Música, com o tema «Viver a Música a Partir da Periferia (?)» [0], lembrei que a ideia de cultura como reflexo de uma sociedade «livre de conflito», forma de poder dependente da sociedade mas promovida pelo estado, que não sendo semelhante à ideia de civilização fosse humana e responsável, sugerida por Eagleton [2], é assaz útil na compreensão da prática cultural no geral, em alguns domínios musicais em particular (caso do rap entre 1986 e 1994 - assinalando este último a altura de edição da colectânea Rapública [3]), dos seus actos de associação ou sociabilização e do poder e afirmação colectivo e individual a partir da periferia. As entrevistas [5] realizadas permitiram compreender que a sua visão acerca da abordagem sobre a vida cultural nos subúrbios e o impacto socio-artístico dos seus protagonistas no universo tanto académico como jornalístico na década de 80 e no início da década de noventa foi quase nulo. No caso da «periferia» entendida exclusivamente como noção territorial, o registo destas memórias apontou que o interesse principal residiu, neste período, no tráfico de drogas e violência. Por outro lado, as críticas acerca da escassa representação dominante de que elas foram alvo ao longo do século XX são duras [1].

Vários projectos sociais e culturais nas periferias, que foram aos poucos sendo transmitidos fizeram com que aumentasse a ressonância sobre esses temas nos meios comunicacionais mais generalistas. A situação, ao passar nesses media, é reveladora de tensões tanto em torno do lugar conferido à periferia e às suas práticas culturais e/ou musicais, como da questão da visibilidade mediática e multiplicidade de discursos e compreensões da dinâmica da vida social, bem como da evolução dos seus processos de criação, organização e produção sonora e musical ainda sem os apoios da indústria, especialmente a de publicação de conteúdos (jornais, rádios, revistas), como no caso do rap, que aconteceriam mais à frente [4] .

A valorização da produção cultural da periferia passou a arranjar esquemas que expressassem a defesa da sua ‘singularidade’, ‘autenticidade’ atribuindo-lhe nichos específicos de circulação e mesmo de preservação.

Se por um lado, o seu surgimento no cenário de visibilidade popular mediática foi uma prática nova, que ganhou espaço social,  com implicações nos seus critérios de legitimação discursiva no que diz respeito às suas manifestações culturais e musicais, por outro a mesma inclusão nesse circuito mediático, de grande popularidade, converteu o mesmo movimento e posterior aceitação em mecanismo de legitimação da força da sua actuação e do romper de uma série de cânones a respeito de ‘géneros’ e/ou ‘práticas periféricas’.

A sistemática hierarquização das práticas e «produtos culturais», o seu papel e dependência de uma cidade de Lisboa em redefinição e da sociedade foram alguns dos pontos chave fundamentais para se discutir o tema Viver a Música a Partir da ”Periferia (?)”, seja em que território for. A «periferia» aqui assumiu uma noção não exclusivamente territorial. Falou-se dela numa perspectiva de vivência nas margens de uma indústria cultural e da sua redefinição constante e dos aspectos sociais, políticos e económicos que enformaram a produção de 4 sujeitos, intervenientes neste tema, em  épocas distintas, o que os aproximou nesses processos e o que os distinguiu.

[0] SIMÕES, Soraia coord., intervenções: SANTOS, Nuno (Chullage), MIRANDA, Marta, BRANCO, José Mário, PINHO, António Avelar, Museu Nacional da Música, 2013.

[1] SIMÕES, Soraia, RAPortugal: territórios e poder no Portugal urbano pós 25 de Abril (1986 – 1994), Seminário: História das Ideias Políticas Contemporâneas, domínio de especialização: História Contemporânea, Mestrado, 2015, public. online em Mural Sonoro, Janeiro, 2016.

[2] EAGLETON, Terry, A Ideia de Cultura, edição UNESP, 2005.

[3] Edições discográficas iniciais: Portukkkal é um Erro, rapper: General D, Etiqueta: EMI, ano: 1994. RAPública, Colectânea editada no ano de 1994 pela Sony Music, que congrega temas de Black Company, Funky D, Zona Dread, Boss AC, Family, Líderes da Nova Mensagem, New Tribe assinalando na indústria fonográfica o primeiro registo discográfico neste domínio e o único registo até hoje, com a chancela editorial, de alguns dos seus intervenientes/grupos.

[4] A introdução de elementos sonoros e tecnológicos e alguma maquinaria em bairros como o da Amadora, Miratejo ou Cova da Moura na segunda metade dos anos 80 e iníco dos anos 90 por grupos e actores que começavam a ter expressão no «movimento hip-hop» como, entre outros, Black Company, Family ou Boss AC. Casos como o da introdução da QY10. Inspirados especialmente em modelos anglo-americanos, numa identificação e processo de mimetização com grupos que surgiram na década de 80 nas periferias de Nova Iorque e ganharam, mais tarde, alcance mundial a partir do seu ingresso na indústria musical, de gravação e edição discográfica nos EUA.

[5] Fontes orais História Oral/Recolha de memórias centrais: Entrevista 1: Makkas (nome real: Paulo Jorge Morais, ex integrante do grupo Black Company). Entrevista 2: General D (nome real: Sérgio Matsinhe, primeiro rapper com expressão mediática a gravar. Afecto ao Movimento Política XXI e imagem da SOS Racismo na sua apresentação). Entrevista 3: Bambino (nome real: Madwylson Pina, integrante com Black Company da colectânea editada em 1994 pela Sony Music RAPública).

História Oral/Recolha de outras memórias usadas: Entrevista 4: Francisco Rebelo (baixista e produtor, mentor, com Tiago Santos, do grupo Cool Hipnoise). Entrevista 5: José Mário Branco, Entrevista 6: António Avelar Pinho, Entrevista 7: Tozé Brito, Entrevista 8: Chullage, Entrevista 9: Marta Miranda.

 

Vídeo-Mote de uma das Sessões Mural Sonoro no Museu da Música no ano de 2013

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Godelieve Meersschaert (Kola San Jon e Batuque)

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Godelieve Meersschaert (Kola San Jon e Batuque)

51ª Recolha de Entrevista

Quota MS_00060 Europeana Sounds

BI: Meersschaert Good Lieve nasceu na Bélgica no ano de 1945 (uma semana antes do fim da II Guerra Mundial) e veio viver em Lisboa em 1978. A 01/11/1982, em conjunto com Eduardo Pontes, fixou-se na Cova da Moura para ficar uns meses na casa dum casal do Ribatejo (Couço) – Bairro que lhe mudaria, até hoje, a sua demanda.

Com formação em Psicologia, Lieve foi interiorizando desde o ano em que chegou ao Bairro as manifestações culturais trazidas de ilhas distintas de Cabo Verde, à medida que ia convivendo com cabo-verdianos que também viviam no Bairro.

Nesta recolha de entrevista, Live explica a sua ligação a duas manifestações distintas e aos seus valores mais intrínsecos: por um lado o Kola San Jon e por outro a prática do batuque, a evolução das mesmas ao longo dos últimos anos no que concerne ao entendimento profundo de ambas (na prática do batuque há, inclusivé, estudos que se debruçam sobre as suas funções profiláticas na maioria das mulheres que a pratica – como no caso da violência doméstica), explica ainda as diferenças entre ambas as manifestações, que embora no Bairro Cova da Moura se misturem, em Cabo Verde se encontram em diferentes ilhas e igualmente com propósitos diferentes junto das comunidades, da aproximação (após reconhecimento da Fundação Calouste Gulbenkian) dos mais jovens ao Kola San Jon, de espaços importantes no Bairro como o Moinho da Juventude, etc.

O Kola San Jon está envolvido num trabalho criterioso, com etnomusicólogos e antropólogos da Universidade de Aveiro, que tem como fim a candidatura desta festa religiosa a Património Imaterial da cultura cabo-verdiana. Lieve tem servido de ponte para a aproximação destas manifestações com as pessoas que nelas se inserem, maioritariamente residentes no Bairro, com investigadores ou instituições e orgãos de comunicação não só em Portugal, como no resto da Europa e até mundo.

© 2013 Meersschaert Good Lieve à conversa com Soraia Simões, Perspectivas e Reflexões no Campo


Recolha efectuada no Bairro Cova da Moura
Fotos de Eduina Vaz

Som, Pesquisa, Texto: Soraia Simões

nota: nesta recolha de entrevista há o cuidado de não fotografar Godelieve de frente, por pedido da mesma

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Carlos Barretto (músico, contrabaixista, formador)

Carlos Barretto (músico, contrabaixista, formador)

50ª Recolha de Entrevista

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Quota MS_00027 Europeana Sounds

BI: Carlos Barretto nasceu no Estoril em 1957. É um músico e compositor com já longo percurso de actividade.

Nesta recolha de entrevista reflexiona sobre o início do seu caminho profissinal, do seu contacto musical desde criança (o pai tocava guitarra e harmónica cromática), do ambiente em que cresceu (ouvia-se muitos discos lá por casa, de Miles, Parker, Gillespie, Coltrane, Mingus, Monk, Ornette, mas também Elis Regina, Chico Buarque, Baden Powell, Gismonti, Hermeto Pascoal, Stravinsky, Bach, Os Tubarões, Milton Nascimento, Tchaikowsky, Amália Rodrigues, Carlos Paredes, entre outros), influenciado pelo ambiente familiar aos seis anos interessa-se pela guitarra e com dez inicia estudos de piano e solfejo no Conservatório Nacional de Música de Lisboa, lembra também o início dos anos 70, onde por iniciativa de Luís Villas-Boas, tiveram lugar os primeiros festivais de Jazz (Cascais) de que há memória em Portugal,do seu ingresso naquela que seria a primeira escola de Jazz do país (a do Hot Club de Portugal) e onde efectuou as primeiras experiências amadoras, com músicos locais, da viagem em 1984 para Paris, reflexo do frustrante panorama cultural e artístico que então se vivia em Portugal, de algumas das diferenças entre o circuito de jazz europeu e americano, entre outros aspectos.

Do seu percurso salientam-se ainda o seu contacto, aprendizagem e colaboração com Ludwig Streischer, na Academia Superior de Música de Viena (Áustria), ou outros músicos reconhecidos pelo mundo com quem colaborou como Fritz Pauer (acompanhador regular de Art Farmer) Joris Dudli e Christian Radovan (elementos da Vienna Art Orchestra), o regresso a Lisboa, ingressando na Orquestra Sinfónica da RDP, e colaborações em projectos de/com outros músicos da música popular feita em Portugal nos últimos 30 anos.

© 2013 Carlos Barretto à conversa com Soraia Simões, Perspectivas e Reflexões no Campo

Pesquisa, Som, Texto: Soraia Simões

Fotografias: Augusto Fernandes

Músico Profissional que futuro? Vídeo correspondente a uma Sessão Mural Sonoro no Museu da Música no ano de 2013 que contou com Carlos Barretto, Fernando Girao e Toze Brito


Recolha efectuada em LARGO Residências

Improvisão de Carlos Barretto no contrabaixo

‘Tigelafone’ por Maria João Magno

‘Tigelafone’ por Maria João Magno

por Maria João Magno [1]    

Maria João Magno (exemplificação de som de tigelafone). Ouvir entrevista cedida a Soraia Simões aqui

Maria João Magno (exemplificação de som de tigelafone). Ouvir entrevista cedida a Soraia Simões aqui

História

Tudo começou pela decisão de casar. A construção do lar, que passa pela aquisição de diversos objectos, de entre os quais, loiça. Depois da pesquisa, decidimos adquirir a mais bonita e funcional. Para casa trouxemos pouca coisa – abominamos «tralhas» – que comprámos na entretanto fechada Casa alegre. No meio de pouca coisa vinham três tigelas de tamanhos diferentes e seis iguais, as mais pequenas. Tiveram interesse para nós porque são brancas, condizentes com inúmeras cores de toalhas e guardanapos, e vão ao forno, o que as torna multifuncionais. O pormenor de irem ao forno fez com que o seu lugar oficial fosse a cozinha. Lá habitaram, até ao dia em que, a tigela maior estava sobre a mesa da sala, ao serviço de uma grande salada, e o talher lhe bateu sem intenção. O som despertou-me completamente. Estávamos em 2004.

Dei início à investigação. Uma espécie de encontros secretos com uma tigela e a outra e mais a outra e a descoberta de que tinha encontrado um instrumento musical, se juntasse as três tigelas. Dei-lhe um nome: tigelafone.

Batia nas tigelas com o que tinha à mão – colheres de pau – experimentava diferentes colheres em diferentes sítios das tigelas e ouvia um sem número de timbres, ataques e ressonâncias, sempre afinados: lá2, mi3 e sol3. Experimentei os cabos das colheres na vertical, na horizontal, uma colher, duas, mais colheres e quando as esgotei fui ao encontro dos espetos de madeira. Comecei por tocar com um em cada mão e descobri que era preciso mais volume de som. Juntei espetos, fixei-os com um elástico e fiz dois maços, um para cada mão. O timbre é bastante diferente daquele que se obtém com as colheres.

 

Pairava-me na mente como iria passar do som à música. Como poderia fazer música apenas com três notas? Percebi que o facto de ter um intervalo de sétima enriquece a matéria-prima e não ter a terceira do acorde permite-me decidir sobre o modo (maior ou menor, pelo menos). A quinta é o elemento de estabilidade harmónica, dá jeito.

Rapidamente entendi que teria de apostar na diversidade tímbrica de cada tigela e rítmica da música para fazer música com três sons (notas) percutidos (as).

Inicialmente compus Da Mulher, em Abril de 2004. Tinha feito trabalho de pesquisa para a Universidade sobre canções de embalar, tema que me fascina. Nasceu-me o texto, a música e logo a partitura como registo que ajuda a organizar as ideias. O tigelafone já tinha assumido a importância que lhe dou hoje, pelo que não o tratei como acompanhador da voz, mas sim como parte integrante da mesma por vezes e extensão, por outras. Tal como a mãe e o filho. Tal como a mulher que deseja que a criança durma, porque é preciso fazer outras coisas em casa.

As composições sucederam-se umas às outras. Após um contacto que estabeleci com a empresa que fabrica as tigelas recebi dez, iguais duas a duas, mas todas diferentes em termos sonoros. Este problema obrigou-me a escrever, dentro das tigelas, a referência das notas que produzem. Por exemplo, sib2+ e sib2-, em duas tigelas, semelhantes no tamanho e à vista, mas não na afinação. Actualmente ainda investigo as tigelas que recebi, juntamente com outros exemplares que adquiri quando visitei a fábrica.

A escrita musical é adaptada ao instrumento e é por isso que nas partituras desenho o tigelafone que utilizo em cada música.

 

(debate, coordenação: Soraia Simões Música Popular, Ensino e Experimentação | Museu da Música)

Conceito

O termo tigelafone surgiu de forma espontânea, devido à necessidade de fazer referência, em partitura musical, ao nome do instrumento para o qual estava a escrever música. Pretendia não me esquecer que aquelas notas musicais são específicas das tigelas com as quais andava a fazer experiências sonoras. Tigela = tigela e fone = som. O som das tigelas.

Mais tarde, tigelafone passou a ser um Projecto e, presentemente, o termo engloba dois aspectos:

1) Primeiro define um instrumento musical que se enquadra na categoria dos idiofones (classificação de Hornbostel e Sachs). Nesta categoria de instrumentos musicais «o som é produzido pelo próprio corpo do instrumento, feito de materiais elásticos naturalmente sonoros, sem estarem submetidos a tensão.» [Luís Henrique, Instrumentos Musicais, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1988 - p 23].

À semelhança do xilofone, ou do metalofone, o tigelafone consiste num conjunto, ou colecção de corpos vibrantes – neste caso tigelas de cerâmica – que agrupados geram determinada organização sonora, organização essa que se constitui como a base melódica e harmónica da música para tigelafone.

2) O segundo aspecto do termo está associado à ideia de marca registada, na medida em que tigelafone é, desde 2009, uma marca registada em Portugal.

[1]  para citar este texto: Magno, Maria João* «Tigelafone», Plataforma Mural Sonoro, https://www.muralsonoro.com/recepcao, 25 de Fevereiro de 2015.

*Estudou no Conservatório de Música e licenciou-se em Ciências Musicais pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (1991-1995), onde fez também a Pós-licenciatura no Ramo de Formação Educacional, em Ciências Musicais (2001-2003).

Compositora e intérprete em Gestos, um espectáculo de sua autoria, que integra voz, piano, instrumentos musicais construídos a partir de materiais reutilizáveis e o Tigelafone (2001-2006). Participou em diversas gravações como música.

Recentemente Maria João integrou a equipa da Divisão de Educação Artística, na Direcção Geral do Ministério da Educação e Ciência – Lisboa. Actualmente lecciona disciplinas da Música, pesquisa na área do Tigelafone e continua a compor e a actuar em recitais/espectáculos musicais.

Culturas e práticas documentadas em contexto migratório na cidade de Lisboa Apresentação trabalho de investigação: Soraia Simões Museu Nacional da Música

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Culturas e práticas documentadas em contexto migratório na cidade de Lisboa Apresentação trabalho de investigação: Soraia Simões Museu Nacional da Música

Sábado, 26 de Janeiro de 2013
«Culturas Documentadas»
15h Eduína Vaz com exposição de fotografia 'Culturas Cabo-Verdianas'
16h Mário Correia com 'Recolhas, Património Imaterial', Terras de Miranda e Sendim, Aurélio Malva (músico Brigada Victor Jara)
17h Nataniel Melo com 'Viagem pela Cultura de um Povo' (viagem ao Senegal) Apresentação de filme documental

Parceria: Museu da Música e Projecto Mural Sonoro
Tema: Culturas e práticas documentadas em contexto migratório na cidade de Lisboa
Apresentação trabalho de investigação: Soraia Simões
Narração e Texto: Soraia Simões

 

© 2013 Mural Sonoro no Museu da Música

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