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RAPRODUÇÕES DE MEMÓRIA, CULTURA POPULAR E SOCIEDADE: GENERAL D

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RAPRODUÇÕES DE MEMÓRIA, CULTURA POPULAR E SOCIEDADE: GENERAL D

Notas

 


2) Simões, Soraia 2017 RAPublicar. A micro-história que fez história numa Lisboa adiada (1986 - 1996). Editora Caleidoscópio. Lisboa.

3) Simões, Soraia 2016 RAPortugal 1986 - 1999. Ciclo de Conferências e Debates no âmbito de projecto parcialmente financiado. Direcção Geral das Artes.

4) Simões de Andrade, Soraia Fixar o Invisível. Os primeiros Passos do RAP em Portugal. Editora Caleidoscópio. Lisboa.

5) Colóquio Reinventar o discurso e o palco: o RAP entre saberes locais e olhares globais, Maputo.

 

General D nasceu na ainda Lourenço Marques, hoje Maputo, Moçambique, no ano de 1971.

Sérgio (Matsinhe), o nome escolhido entre uma lista de outros nomes pelos pais por imposição externa em tempos de políticas repressivas exercidas entre as populações nativas das ex-colónias, sucumbiu com a chegada de General D e a força da sua actuação no contexto particular da  «cultura hip-hop» e na sociedade portuguesa no período cavaquista pelos debates e discussões públicas em que se envolveu. 

Explicita nesta entrevista os vários espaços geográficos (incluindo aquele de onde é oriundo) por onde passou até se fixar no Barreiro, mas também outros aspectos, como: a primeira ligação às palavras e posteriormente à escrita,  resultado dos discos que ouvia incentivado por aquilo que o irmão mais velho e a mãe escutavam,  como Maria Bethânia, Chico Buarque, Bonga e UHF,  algumas lembranças que retém de um modus operandi dentro do hip-hop  quando a «cultura» ainda se estava a formar em Portugal, a sua chegada à indústria de gravação e edição fonográfica, os temas expostos nas suas letras que ainda hoje o inquietam, sendo o racismo aquele no qual mais atenção é dispendida no seu discurso (o institucional como aquele que, também fruto disso, é praticado no dia-a-dia), entre outros.

Tornou-se um activo defensor dos direitos das minorias, chegando mesmo a ser candidato a deputado ao Parlamento Europeu pelo Movimento Política XXI e Porta-Voz da Associação SOS Racismo, organizou no ano de 1990 o primeiro festival RAP em Portugal, em Almada (na Incrível Almadense) e foi o primeiro rapper em Portugal a assinar um contrato discográfico, com a EMI-Valentim de Carvalho. Em 1994 foi editado o EP PortuKKKal É Um Erro, disco que incluía três temas e que contou com a participação do grupo coral cabo-verdiano Finka Pé, deu alguns concertos em Inglaterra e passou com frequência em rádios locais fortemente dinamizadoras do hip-hop, registou alguns espectáculos de relevo no nosso país, nomeadamente no Festival Imperial, na cerimónia de entrega dos Prémios do jornal Blitz e na Festa do Avante. Em 1995 foi editado o seu álbum de estreia intitulado Pé Na Tchôn Karapinha Na Céu, gravado por General D & Os Karapinhas e produzido por Jonathan Miller, no qual participaram convidados como Marta Dias, Sam ou Boss AC, entre outros.
Participou em Timor Livre, resultado da gravação de um espectáculo no Centro Cultural de Belém de solidariedade para com o povo de Timor, onde participaram Delfins, Rui Veloso ou Luís Represas, e em que General D interpreta dois temas. Após dois anos de concertos dentro e fora de Portugal, General D ainda editou Kanimambo (1997), que contou com a produção de Joe Fossard.

No ano de 2014, a 28 de Junho, integrado no Festival Lisboa Mistura  deu um espectáculo que encheu e que marcou o seu regresso aos palcos. Precisamente o ano em que se assinalou a comemoração dos 40 anos decorridos da Revolução de Abril de 1974 e que simultaneamente marcou os 20 anos decorridos da sua primeira edição discográfica.

com General D, Agosto de 2014, em Miratejo, numa gravação em vídeo

 

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Fixar o (in)visível: papéis e reportórios de luta dos dois primeiros grupos de RAP femininos a gravar em Portugal (1989 - 1998)

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Fixar o (in)visível: papéis e reportórios de luta dos dois primeiros grupos de RAP femininos a gravar em Portugal (1989 - 1998)

Cadernos de Arte e Antropologia

Vol. 7, No 1 | 2018
Juventudes e Músicas Digitais Periféricas

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CAA PT Soraia Simoes.jpg
Artigo para leitura completa aquiPara citar este artigoReferência do documento impressoSoraia Simões, « Fixar o (in)visível: papéis e reportórios de luta dos dois primeiros grupos de RAP femininos a gravar em Portugal (1989 - 1998) »,&nbsp…

Artigo para leitura completa aqui

Para citar este artigo

Referência do documento impresso

Soraia Simões, « Fixar o (in)visível: papéis e reportórios de luta dos dois primeiros grupos de RAP femininos a gravar em Portugal (1989 - 1998) », Cadernos de Arte e Antropologia, Vol. 7, No 1 | -1, 97-114.

Referência electrónica

Soraia Simões, « Fixar o (in)visível: papéis e reportórios de luta dos dois primeiros grupos de RAP femininos a gravar em Portugal (1989 - 1998) », Cadernos de Arte e Antropologia [Online], Vol. 7, No 1 | 2018, posto online no dia 01 abril 2018, consultado o 03 maio 2018. URL : http://journals.openedition.org/cadernosaa/1397 ; DOI : 10.4000/cadernosaa.1397

 

Autora

Soraia Simões

Universidade Nova de Lisboa, Portugal

muralsonoro.soraiasimoes@gmail.com

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Direitos de autor

© Cadernos de Arte e Antropologia

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«Cidade Cidadã», Portugal Smart Cities

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«Cidade Cidadã», Portugal Smart Cities

Quem não conseguiu estar saiba que pode ouvir aqui a comunicação de breves minutos (consegui fazê-la, parecia-me impossível, em menos dos 8 pretendidos pela organização) e em português no âmbito da sessão «Cidade Cidadã» que teve lugar hoje de tarde no evento Portugal Smart Cities com o título «RAPresentar a cidade (In) visível no arranque do hip-hop em Portugal»

Comunicação em português no âmbito da sessão «Cidade Cidadã» que teve lugar esta quinta-feira entre as 16.00 e as 18.00 no evento Portugal Smart Cities.

Sessão presidida pela Secretária da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Maria Fernanda Rollo e moderada por Miguel de Castro Neto (Sub Director  Nova Ims - Information Management School).

Notas

Fotografia 1) Sessão «Cidade Cidadã», Portugal Smart Cities, Centro de Congressos de Lisboa. 12 de Abril. 2018.

Fotografia 2) material cedido por Jumping (Djamal) durante trabalho de pesquisa. Concerto de Djamal, primeira parte de GNR. 1997.

Fotografia 3) recolhas durante trabalho de pesquisa. Exposição de Ithaka (Darin Pappas).

Simões, Soraia 2017 RAPublicar. A micro-história que fez história numa Lisboa adia (1986-1996). Editora Caleidoscópio. Lisboa.

Simões, Soraia 2018/9 no prelo Fixar o Invisível. Os primeiros Passos do RAP em Portugal. Editora Caleidoscópio. Lisboa.

 

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RAProduções de Memória, Cultura Popular e Sociedade: Maze (Dealema)

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RAProduções de Memória, Cultura Popular e Sociedade: Maze (Dealema)

Dossier RAProduções de Memória, Cultura Popular e Sociedade

[conversa com Maze 1 e 2]

 

O momento em que a prática do RAP deu os primeiros passos em Portugal foi também o momento de afirmação de outras manifestações do «movimento hip-hop» como a dança (breakdance) e a pintura de murais (grafitti, muralismo). Foi ainda o momento em que esta prática assumiu uma missão na cultura popular que outras práticas musicais não haviam representado até então: a de fazer a reportagem das ruas e dos bairros (denominada pelos protagonistas de RAPortagem) alertando para aquilo que era um conjunto de problemas distintivos de uma primeira geração de filhos de imigrantes ou de afrodescendentes nascidos em Portugal, como o do racismo, da exclusão social, da pobreza, da xenofobia. Mas, este primeiro momento de afirmação foi também marcado por um conjunto de outras desigualdades, como as relacionadas com a condição feminina, também aqui exercidas, o que deu azo a uma desvalorização e/ou falta de atenção para os  assuntos relatados nos repertórios e discursos falados das primeiras rappers, como a violência com base no género e o sexismo.
Apesar de tudo, por colocarem no centro, no corpo poético-literário de uma grande parte das suas criações, grupos de população invisibilizados do meio social, os agrupamentos RAP das décadas de 1980 e 1990 constituem hoje um património interessantíssimo para analisar uma parte da história contemporânea portuguesa do período pós-colonial.

O RAP constituiu ainda um relevante objecto de análise às lógicas de actividade verificadas entre os grupos culturais mais vulneráveis no âmbito discográfico e de entretenimento, especialmente aos seus paradoxismos. O  modo como estes actores e estas actrizes despontaram e como, apesar da crítica expressa nos seus discursos falados à conjuntura social e ao modelo de funcionamento das indústrias da música dialogaram e dependeram delas permitiu reforçar um questionamento mais lato sobre uma retórica por demais «romantizada» acerca deste pioneirismo.

Maze, foi um dos integrantes de Dealema — um dos primeiros grupos de RAP que nasceram nas cidades de Gaia e do Porto —, a faixa usada neste excerto de uma conversa maior, realizada no âmbito desta investigação, faz parte do primeiro fonograma gravado, com o título O Expresso do Submundo (1996).

Dealema seria fruto da junção dos colectivos Factor X (Mundo e Dj Guze) e Fullashit (Fuse e Expeão) aos quais se juntaria Maze e deixariam seis registos discográficos.

Nesta conversa informal fala-se, entre outros assuntos, de secundarizações, retóricas visíveis e invisíveis que têm orientado e difundido a primeira década de gravação sonora deste domínio sonoro e cultural em Portugal.

Fotografias

Helena Silva

Notas

Simões, Soraia 2018. « Fixar o (in)visível: papéis e reportórios de luta dos dois primeiros grupos de RAP femininos a gravar em Portugal (1989 - 1998) », Cadernos de Arte e Antropologia, Vol. 7, No 1 | -1, 97-114. Brasil.

Simões, Soraia. 2018. RAPoder no Portugal urbano pós 25 de Abril. As margens, o centro, paradoxos e contradições do RAP em Portugal. Esquerda.net.

Biblio/fontes

1) Simões, Soraia 2017 RAPublicar. A micro-história que fez história numa Lisboa adiada (1986-1996). Editora Caleidoscópio. Lisboa.

2) Simões de Andrade, Soraia 2019 Fixar o Invisível. Os primeiros Passos do RAP em Portugal. Editora Caleidoscópio. Lisboa.

1) RAPublicar. Editora Caleidoscópio 2017

1) RAPublicar. Editora Caleidoscópio 2017

2) Fixar o (in) visível, Editora Caleidoscópio 2019

2) Fixar o (in) visível, Editora Caleidoscópio 2019

 

Onde encontra as obras mencionadas:

Editora Caleidoscópio

Almedina

FNAC

Bertrand

Ler por aí…

 

 

 

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RAProduções de Memória: Apontar origens, influências e contradições (I), por Soraia Simões

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RAProduções de Memória: Apontar origens, influências e contradições (I), por Soraia Simões

originalmente publicado no Esquerda.Net

[com vídeos]

Quais os nomes e papéis da cultura hip-hop nos EUA que se destacaram e que caminhos percorreu o RAP no seu arranque? 

São muitas as fontes que se posicionam consensualmente quer quanto à década de nascimento do hip-hop, enquanto cultura e movimento urbanos, quer quando se trata de apontar um espaço geográfico para a sua origem — primeira metade da década de 1970 do século XX, nos Estados Unidos da América, especialmente o South Bronx, por via da figura de Afrika Bambaata fundador do grupo The Zulu Nation, que apesar de não ser o primeiro no género tiraria o hip-hopda invisibilidade dos media. Um grupo juvenil, que se afirmava numa atmosfera de grande tensão social e se expandia nos bairros negros e latinos da cidade de Nova Iorque congregando DJs, MCs (mestres de cerimónias), Writers (grafiteiros), B.boys e B.Girls (dançarinos e dançarinas). O grupo contribui para que o hip-hop se tenha tornado um meio para onde se desviava essa tensão e os conflitos daí resultantes aplicando-os na música, na pintura de murais ou na dança, principais eixos da cultura  hip-hop, e ganhasse posteriormente força na indústria musical americana.

Nos EUA, sobretudo na costa este, cedo o RAP se fez representar em modelos sonoros, líricos e temáticos distintos. Prova disso foram os primeiros fonogramas com alcance, como Rapper’s Delight (1979) de Sugarhill Gang, a apelar à festa e diversão, que contrastava com  How We Gonna Make The Black Nation Rise? anunciado por Brother D três anos depois (1982) ou The Message (1982) de Grandmaster Flash and The Furious Five onde o teor de crítica social voltou a estar presente.

 

Trabalhos perto de um RAP de protesto, contestatário, apareceriam pouco tempo depois na costa oeste americana — Captain Rapp com o disco Bad Times I Can’t Stand It (Saturn. 1983) foi disso exemplo. Várias correntes, com nomenclaturas aproximadas, se procuraram afirmar acabando por criar escolas diferentes, que foram sendo seguidas nas décadas posteriores um pouco por todo o mundo, com maior ênfase nas zonas suburbanas. Na Califórnia, por exemplo, nasceriam as etiquetas Gangsta rap ou Reality rap. Estas chancelas estiveram intimamente ligadas à edição de Six in The Morning (1986) do rapper Ice-T.

As mesmas incutiram designações  dentro do RAP, que descreviam as suas ramificações ou os «sub-géneros» deste universo definidos pelos seus protagonistas [1].

Nos últimos anos da década de 1970 e nos primeiros da década de 1980 o RAP produzido nos EUA apresentou, como já mencionado, modelos musicais e literários (líricos) distintos. O seu campo temático e o seu ambiente estético inauguraram no campo mediático uma imagem irreverente e desconcertante, mas ao mesmo tempo apetecível para as massas. Essa aceitação na cultura de massas deveu-se em grande parte à expansão do recursório electrónico, no qual géneros, à época, na moda como o funk ou o disco convergiam sendo sinónimo simultaneamente, por um lado de uma afirmação das minorias gays, negras, imigrantes e de uma subcultura, por outro lado de um ambiente cultural que sob o ponto de vista sonoro e imagético começou a atrair outros domínios do campo artístico (cinema, televisão, moda) e a vida nocturna americana.

Os anos de 1982 - 1989 tornaram-se decisivos não só para a viragem na trajectória assumida pelos primeiros rappers com impacto translocal, além da trilogia «bairro-cidade-problema», como para a imagem do hip-hop no geral e para aquilo que para a maioria dos entrevistados no contexto português foi a sua função central: uma extensão das realidades vividas na e/ou à margem do poder cultural hegemónico.

Foi um período onde o teor contestatário, interventivo e emancipatório destas comunidades veio à tona consolidando-se nas letras e nos discursos, e alterando a sua estética musical.

De Planet Rock de Afrika Bambaataa (1982) e dos diálogos musicais aparentemente imprevisíveis estabelecidos entre o RAP e outros domínios sonoros e musicais, como o rock — ouça-se «Walk this Way» onde Run DMC aparece com Aerosmith —, fruto do impacto e interesse gerados, o RAP abrir-se-ia a um leque de diversidades e opções estilísticas que reforçaram a sua missão.

 

As mulheres, como Roxanne Shanté (Roxanne’s Revenge. 1984. Bad Sister. 1989.), o colectivo Salt-N-Pepa (Hot, Cool & Vicious. 1986.) ou Queen Latifah (Wrath of My Madness. 1988. All Heil The Queen. 1989.) acrescentaram ao mapa temático do RAP a questão do género e da condição feminina num meio onde, apesar da denúncia ao status quo e ao stabelichment, se descurou esse capítulo — a maioria das referências à imagem feminina surgem por via da sua objectificação  quer em telediscos como no exercício da sua escrita musical de um modo mais e menos manifesto. Este tópico é desenvolvido na dissertação cujo título é indicado na nota [1].

Grupos como Public Enemy (Takes a Nation of Millions to Hold Us Back. 1988. Fight the Power...Live!1989.), N.W.A ou Niggers With Attitude (Straght Outta Compton. 1989), KRS-One (Criminal Minded. 1987. By All Means Necessary. 1988), transferiram o teor contestatário das ruas e uma crítica dura à sociedade branca americana para o RAP, e nele firmaram as bases ou fundamentos que levariam à criação e explanação de um  RAP que tornou visível as condições de vida das comunidades que o viram nascer.

N.W.A seria responsável ainda pelo agrupamento HEAL, um colectivo que abria a discussão sobre a violência no ghetto ao mesmo tempo que procurava dar resposta e soluções aos crimes de negros contra negros e mudar a visão da sociedade americana sobre a comunidade negra. O RAP de N.W.A tornou-se inconveniente para a sociedade americana das décadas de oitenta e noventa  e a prova disso foi a investigação realizada pelo FBI. Mas, as suas letras despudoradas eram não mais do que uma extensão da vida dos ghettos.

A misoginia, o sexo livre, a violência física e verbal e o consumo de drogas, num estilo que denominaram de gangsta style ou gangsta rap, teve seguidores, foram disso exemplo nos anos 90 entre outros os rappers Tupac Shakur ou Snoop Dog.

O papel político, de uma política nem sempre visível, ou infra-política (Scott: 1990), várias vezes incompreendida e, portanto invisível, exercida por rappers nesta conjuntura e nestes tempo e contexto vem dar luz a uma série de relações desenvolvidas pelas populações ''afro-americanas'' como as ilustradas pelo historiador Robin D. G. Kelley a respeito dos trabalhadores negros que se dedicavam a «práticas espirituais populares», música ou dança, em detrimento das prescrições da classe média negra, que cultivava formas «mais aceitáveis» e participação na vida pública, seja no contexto de igrejas ou de associações políticas e voluntárias (1994: capítulo 2).  Kelley argumentava  ainda a «existência e a dignidade de uma cultura negra distintamente trabalhadora», ao mesmo tempo que alertava para a criatividade da classe trabalhadora negra através da transmissão de conhecimentos e práticas populares. Como Scott, Kelley insistiu que essa infrapolítica não necessitava de uma organização, nem sequer de ser intencional, como nos caso de desobediência ou de vandalismo gerados pela «segregação de comunidades racializadas».

Kool Moe Dee (Kool Moe Dee. 1986. How Ya Like Me Now. 1987.), foi uma das poucas excepções no arranque, ao procurar tirar o vocabulário de natureza misógina do RAP, embora exista pouco aprofundamento do seu trabalho.

O grupo Native Tongues usaria a ironia para expressar o seu designado afrocentrismo apontando Martin Luther King como uma das referências sociopolíticas.

Agrupamentos como Jungle Brothers, A tribe Called Quest, De La Soul, Zulu Nation ou Black Sheep integraram o colectivo, que se tornaria conhecido pelas letras de conteúdo social envolto em humor e pelo uso de instrumentais oriundos do domínio do jazz.

Da mesma forma se destacaram outras vertentes da «cultura hip-hop» como o breakdance.  Crazy Legs — Richard Colón, porto-riquenho criado no Bronx hoje com cinquenta e dois anos —, transformou-se numa figura de referência neste eixo, foi um dos fundadores e integrantes do grupo Rock Steady Crew criado em 1977, ao qual se juntou com apenas doze anos. Na cidade de Nova Iorque o grupo era formado pelos b-boys (bailarinos) Jojo e Jimmy Dee e em Manhattan por Crazy Legs e B-Boy Fresh. Rock Steady Crew é, segundo praticantes, dinamizadores e simpatizantes do hip-hop entrevistados considerado o principal grupo de breakdance. A partir do qual outros grupos se inspiraram e se foram formando e orientando nessas décadas, com características pessoais e estórias de vida semelhantes.

Que RAP chegou a Portugal na década de 1980?

Este foi, em traços gerais, ao longo dos seus primeiros anos de afirmação, o RAP que chegou a Portugal e se tornou um molde inspiracional para os primeiros agrupamentos que se formavam em Cacilhas, Massamá, Oeiras, Miratejo, Monte da Caparica, Pedreira dos Húngaros, Cova da Moura, Pinhal Novo, Maia, Gaia, Torres Vedras entre outros espaços geográficos visitados durante a recolha de arquivos, depoimentos e entrevistas para este trabalho.

Ele chegou por via da rádio (Mercado Negro. 1986-1987. CM. Novo RAP Jovem. Rádio Energia. 1992-1993. Repto. 1993-1998. Antena 3.), parabólica (Yo!MTV RAPS. 1988), televisão (Via Rápida. RTP. 1988), imprensa nacional da época (Independente, Blitz jornal), revistas internacionais (Black Masters) ou filmes (Breakin'. 1984. Beat Street. 1984. La Haine. 1995) e foi emulador, paradoxalmente, tal como nos EUA, ao longo das primeiras décadas da sua existência de um conjunto de contradições. Além da respeitante à pouca inscrição da condição da mulher, anteriormente descrita, o modo como ele se tornou num alvo a abater e simultaneamente um produto interessante, onde havia que manter a inscrição e defesa do ghetto porque foi ela, afinal, quem fez nos EUA sucessos.

O desalento sentido face às regras, normas e valores da sociedade americana dominante das décadas de 1980 e 1990, estimulou uma prática vivida a partir de um núcleo estruturado e internamente legitimado de normas e valores (Fradique: 2003). Nesse núcleo, os jovens encontraram um modo de exteriorizar as suas realidades quotidianas, vividas na primeira pessoa e/ou presenciadas no seu núcleo, ao mesmo tempo que experimentaram e exibiram no RAP um sentido para as suas existências. O RAP tornara-se já a banda sonora do bairro, do subúrbio, do que tinha estado, usando uma expressão do sociólogo Pierre Bourdieu, à margem do «capital cultural» ao mesmo tempo que procurava colocar a sua «identidade» no itinerário discográfico e televisivo, assinalando rotas de afirmação, resistência mas também cedências.

Esse RAP chegaria num momento crucial a Portugal, que talharia a sua amplificação junto da sociedade civil. Num período (i) limitado pela euforia dos fundos europeus, um período marcado por um programa político ancorado no cavaquismo e neoliberalismo  (1985 -1995) que impactou nas condições de vida das comunidades imigrantes e afrodescendentes, pelo crescimento de semanários e imprensa que o destacou com traços ambivalentes (Independente: 1988. Blitz jornal: 1986), pelas rádios, televisão e o momento auspicioso vivido pelas etiquetas discográficas com impacto internacional (EMI Valentim de Carvalho, BMG, Norte Sul, Sony Music), um período onde os arroubos de esperança da maioria dos/a precursores/a entrevistados/a no audiolivro RAPublicar. A micro-história que fez história numa Lisboa adiada 1986 - 1996 (Caleidoscópio: 2017) deram lugar a desilusões, onde só alguns se afirmaram prevalecendo na linha do tempo, mas muitos foram resistindo.

 

Notas

segunda parte do artigo no prelo (public. esquerda.net) com o título RAPoder no Portugal urbano pós 25 de Abril. As margens, o centro, paradoxos e contradições (O Independente, Jornal Blitz).

RAP: O uso da designação RAP em maiúsculas, e não em minúsculas e itálico, nos trabalhos que tenho apresentado acerca deste tema configura uma tomada de posição. Serve para demonstrar a preocupação em colocar esta prática num domínio central, e não num plano secundário ou complementar, das mudanças de comportamentos e linguagens verificadas na cultura popular num determinado contexto histórico. Isto é, onde as medidas e mudanças que se definiram e aconteceram socialmente não diminuam ou tornem secundária, como habitualmente sucede, a dimensão ideológica ou o papel social exercido por esta prática musical nos primeiros anos do seu surgimento e afirmação em Portugal.

Biblio/fontes

Fradique. Teresa. 2003. Fixar o movimento: representações da música rap em Portugal. Lisboa: Publicações Dom Quixote.

Kelly. Robin. D. G. 1994. Race Rebels: Culture Politics and the Black Working Class. Free Press.

Scott. James. 1990. Domination and the Arts of Resistance: Hidden Transcripts. Yale Universiy Press New Haven and London.

1) Simões, Soraia 2017 RAPublicar. A micro-história que fez história numa Lisboa adiada (1986-1996). Editora Caleidoscópio. Lisboa.

2) Simões de Andrade, Soraia 2019 Fixar o Invisível. Os primeiros Passos do RAP em Portugal. Editora Caleidoscópio. Lisboa.

Onde encontra as obras mencionadas em 1) e 2):

Editora Caleidoscópio

Almedina

FNAC

Bertrand

Ler por aí… 

 

Simões. Soraia. no prelo: Fixar o (in)visível: papéis e reportórios de luta dos dois primeiros grupos de RAP femininos a gravar em Portugal (1989 - 1997).

Capa: fotografia cedida por Jazzy J   durante trabalho de pesquisa (2012 - 2016). Zona Dread, D. Mars e Jazzy J, 1994.

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