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Allen Halloween: retrospetiva de um percurso singular

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Allen Halloween: retrospetiva de um percurso singular

[1] por João Mineiro

Corria o ano de 2006 quando Allen Pires Sanhá apresentou o seu alter-ego ao mundo. Allen Halloween estreava-se com um álbum independente, saído diretamente das ruas de Odivelas e ninguém ficou indiferente à abordagem lírica e à sonoridade de Projeto Mary Witch. Um trabalho que condensava o percurso de mais de uma década de rap de rua, entre improvisos e maquetes que circulavam de mão em mão nas periferias da Grande Lisboa.

Sem que ninguém o previsse, iniciava-se aí o trilho de uma obra única e realmente distintiva na história do hip hop e da música portuguesa. Nessa altura, eu fazia parte de uma geração adolescente que arriscava as suas parcas poupanças em álbuns desconhecidos, a que tínhamos acesso em circuitos de distribuição independente, bastando-nos a confiança no selo de quem os editava ou distribuía em pequenas lojas ou no on-line. Projeto Mary Witch foi um desses álbuns que comprei sem poder antecipar que conteúdo escondia aquela capa sinistra, ilustrada com uma grande abóbora com um charro no canto da boca. Quando recebi o disco em casa, lembro-me de o pôr a tocar e de estranhar cada tema. Era uma voz suja e sombria, crua e mórbida.

Nunca tinha ouvido nada assim, mas por algum motivo não conseguia deixar de ouvir o álbum em modo repeat, tentando desvendar o significado de cada letra. “Raportagem”, “Ciclo da vida”, “Fly nigga fly”, “Várias vidas” ou “Dia de um dread de 16 anos” apresentavam-nos cruamente e sem filtros a vida quotidiana dos subúrbios da Grande Lisboa. Para mim, que vivia na Covilhã, aqueles relatos rimados mostravam-me um Portugal de que nunca tinha ouvido falar. A esse primeiro álbum sucederam-se Árvore Kriminal (2011) e Híbrido (2015), dois trabalhos originais, com uma qualidade técnica melhorada, mas que não perdiam a essência de um rap de ligações profundas à vida de Allen e dos seus. Músicas como “O convite”, “Drunfos”, “Debaixo da ponte”, “Bandido velho”, “Marmita boy”, “O Rei da Ala” ou “Zé Maluco”, tornaram-se em pouco tempo hinos cantados de início ao fim nos palcos mais variados e pelas pessoas mais improváveis. Quando no final de 2019 Halloween decidiu colocar um fim na sua carreira, fê-lo com estrondo, apresentando os dois objetos que haveriam de concluir esse seu ciclo artístico: o álbum Unplegueto (2019) e o livro “Livre Arbítrio” (Lua Elétrica, 2019), no qual foram reunidas as suas letras, que são também parte da sua biografia.

Treze anos não é muito tempo, mas no caso de Halloween foi o suficiente para deixar uma obra e um nome gravados na história da música portuguesa. O significado social e político da sua afirmação foi de grande importância. As suas músicas espelhavam, sem rodeios, a vida nos subúrbios da Grande Lisboa. Os subúrbios da gente que não costumamos ver nem ouvir em nenhum canal mediático, mas que, todas as madrugadas, limpa as redações antes da chegada dos jornalistas. O rap de Halloween era um rap de reportagem crua – ou de “raportagem”, como ele o designou numa das suas músicas. A sua voz era o megafone para o relato direto da vida de uma parte da sociedade portuguesa que não é noticiada pela precariedade habitacional ou as condições de isolamento e segregação em que vive. Halloween consegui derrubar os muros de uma Lisboa invisível aos olhos do privilégio branco. Ao fazê-lo homenageou aqueles que antes tinham começado esse caminho, ao mesmo tempo que abriu portas a tantos outros/as que lhe seguiram as pisadas.

De alguma forma podemos dizer que a música de Halloween foi uma espécie de “milagre sociológico”. Sob que condições um “jovem africano de um bairro social” poderia fazer ouvir a sua voz perante um país que remete a sua existência para a invisibilidade, a indiferença ou a violência? A música, e o seu potencial de circulação livre, foi a fórmula que lhe permitiu romper o isolamento do gueto e falar para fora. O rap foi o veículo da verdade que as suas músicas espelhavam. Talvez por isso, a sua escrita fosse uma decorrência da vida, e não o produto do marketing de carreira que sempre rejeitou. Musicalmente Halloween foi um artista amplo. A sua filiação ao rap underground e, do meu ponto de vista, profundamente político, conjugava-se com uma musicalidade suja no bom e profícuo sentido da palavra. Nem trap, nem boom bap, o seu rap tinha um rasgo grunge, experimental, tocando ao mesmo tempo em tonalidades acústicas que lhe assentavam igualmente na perfeição.

A sua música trocava o perfecionismo digital dos grandes estúdios, dos melhores produtores e dos mais notáveis agenciamentos, por uma bricolage home made, onde o rapper produzia exatamente à medida das suas necessidades artísticas e interiores. Talvez tenha sido a singularidade da sua música que o levava a ter fãs nos mais variados lugares: do rap underground ao heavy mental, do hardcore ao “hipsterismo urbano”. A diversidade do seu público fazia-o cruzar palcos realmente distintos: da festa de bairro mais improvisada, organizada pela associação local, a um palco com a dimensão de um Primavera Sounds.

No entanto, era sempre o mesmo Halloween que se apresentava, quer musicalmente, quer cenicamente. Como ele dizia: “O nosso circo é sempre igual, seja no Coliseu ou na escola preparatória”. Coerente até ao fim, apresentava-se com os seus rappers e companheiros de bairro, com quem cresceu pessoal e musicamente, nunca se dando a colaborações de conveniência comercial. 2019 foi o ano em que Halloween fechou o seu ciclo artístico. A sua voz ressoou bairro a bairro e impôs-se às massas, sem nunca ceder aos princípios pelos quais rimava. Mostrou-nos, sem soberba, mas com ousadia, como a música pode ser mais que um objeto mercantil sedento de responder aos mais variados apetites comerciais. A música em que se empenhava vinha de outro lugar, bem mais fundo e bem mais fecundo. Devemos-lhe esse exemplo e essa coerência, tão raros nos dias que correm.

[1] João Mineiro é Sociólogo, Investigador e doutorando (ISCTE). É coleccionador e entusiasta do RAP e da cultura hip-hop.

Fotografia de capa do autor, primeiro disco do rapper Allen Halloween.

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Se a Memória Não me Falha - História Oral, Metodologias e Boas Práticas, Festival FOrA, Org. CHAM (FCSH NOVA)

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Se a Memória Não me Falha - História Oral, Metodologias e Boas Práticas, Festival FOrA, Org. CHAM (FCSH NOVA)

Com a presença de Soraia Simoes. O encontro Se a memória não me falha... é organizado em parceria pelo CHAM, Faculdade de Ciencias Sociais e Humanas NOVA Lisboa, Universidade dos Açores, e pela Associação Teia D'Impulsos. Encontra-se enquadrado na terceira edição do FOrA – Festival da Oralidade do Algarve, mostra de património cultural imaterial do Algarve que decorrerá em Portimão e Alvor, Lagos entre os dias 10 a 14 de Maio.

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Mural Sonoro no Europeana.eu

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Mural Sonoro no Europeana.eu

Biblioteca Nacional de França acerca do Mural Sonoro:

 BnF - Bibliothèque nationale de France: Découvrez une archive où les souvenirs sont conservés vivants

Mural Sonoro no Europeana.eu liderado pela The British Library

Algum do trabalho desenvolvido por Soraia Simões na nossa Associação Mural Sonoro, especificamente o trabalho de arquivo e documentação, resultado da sua coordenação de entrevistas, conferências, debates e recolhas de memórias, contextualização e identificação dos mesmos, encontra-se agora neste projecto europeu, que congrega outros trabalhos no âmbito, das mais destacadas bibliotecas e instituições europeias. 

A sua autora, e restantes integrantes da Associação Mural Sonoro, que congrega no seu trabalho entre outros estudos e documentos esta base de dados online, dedicam esta integração especialmente aos músicos, autores, compositores, construtores de instrumentos que com Soraia Simões partilham desde 2011 as suas memórias ajudando ao trabalho de contextualização, enquadramento, enriquecendo a compreensão da História social e cultural do país e da Música que foi feita em Portugal nos últimos 50 anos, através das suas histórias, mas também a produção literária e científica.

Encontrarão, assim, junto de outras instituições de destaque, alguns dos metadados do arquivo da Associação Mural Sonoro no Europeana Collections.

Encontram os metadados disponibilizados do seguinte modo:
Subject:
Oral histories
Language:
Português
Data provider:
Associação Mural Sonoro
Provider:
Europeana Sounds
Providing country:
Portugal
Metadados (seguir este link)

Saudações sonoras,

Associação Mural Sonoro

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RTP - «Extrema - Esquerda: Porque não Fizemos a Revolução?»

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RTP - «Extrema - Esquerda: Porque não Fizemos a Revolução?»

Foi ontem , 24 de Novembro de 2015, lançado o Portal “Extrema-esquerda – porque não fizemos a revolução?”, do qual o Mural Sonoro é parceiro.

 

O site “Extrema-esquerda – porque não fizemos a revolução?”, cujo objectivo é contar essa história, através dos depoimentos dos diversos participantes nesse vasto movimento foi ontem lançado pelas 17h no Museu do Aljube - Resistência e Liberdade. Trata-se, assim, de um repositório de história oral, apoiada também numa recolha de documentação. Ao mesmo tempo, conta-se com a participação de todos os interessados em contribuir para o crescimento do site, enviando depoimentos e documentos.

 

Este é um projecto desenvolvido pela RTP, em parceria com o Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra, com o Mural Sonoro e com o Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, que assume um papel fundamental na garantia do rigor histórico.

Soraia Simões - RTP

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Culturas e práticas documentadas em contexto migratório na cidade de Lisboa Apresentação trabalho de investigação: Soraia Simões Museu Nacional da Música

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Culturas e práticas documentadas em contexto migratório na cidade de Lisboa Apresentação trabalho de investigação: Soraia Simões Museu Nacional da Música

Sábado, 26 de Janeiro de 2013
«Culturas Documentadas»
15h Eduína Vaz com exposição de fotografia 'Culturas Cabo-Verdianas'
16h Mário Correia com 'Recolhas, Património Imaterial', Terras de Miranda e Sendim, Aurélio Malva (músico Brigada Victor Jara)
17h Nataniel Melo com 'Viagem pela Cultura de um Povo' (viagem ao Senegal) Apresentação de filme documental

Parceria: Museu da Música e Projecto Mural Sonoro
Tema: Culturas e práticas documentadas em contexto migratório na cidade de Lisboa
Apresentação trabalho de investigação: Soraia Simões
Narração e Texto: Soraia Simões

 

© 2013 Mural Sonoro no Museu da Música

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